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- Qual o
significado do silêncio para o budismo? O que o silêncio representa na vida de
um monge?
- Qual a experiência mais profunda que a srª. já teve com o silêncio?
- O que o silêncio pode nos revelar, quando o adotamos como experiência?
- Por que o silêncio é tão raro hoje em dia?
- De uma maneira geral, as pessoas ignoram no mundo de hoje a importância do silêncio?
Por que?
Qual a consequência disso?lencioso, certo?
Por que é tão difícil?
- É possível para pessoas que vivem em meio a uma cidade barulhenta encontrar o silêncio em seu dia a dia, de alguma forma?
Você viu um filme chamado "O Grande Silêncio?"
filmado numa abadia de monges na França - La Chartreuse?
Nessa ordem religiosa os monges só falam nas liturgias e
alguns momentos semanais. O diretor esperou 16 anos para ser autorizado a
filmar.
Foi apenas ele e seu equipamento. O filme é belíssimo e
silenciosos. Os sons são os sons de passos, de objetos, os sons do dia a dia.
Sem música ambiente, sem música de fundo. Depois do filme nossa audição fica
aprimorada. Talvez essa a força maior do silêncio: ouvir melhor.
Eduardo
Abaixo
algumas reflexões minhas a partir de suas perguntas sobre o Silêncio:
1. Há cerca de dois mil e seiscentos anos, uma grande
assembléia se reuniu para ouvir os ensinamentos de Xaquiamuni Buda.
Ele trouxe uma flor em sua mão. Olhou para todos na
Assembléia, piscou os olhos e sorriu. Não pronunciou uma única palavra.
As pessoas se entreolharam surpresas. Qual o significado
desse sermão silencioso? Apenas uma, entre todas as inúmeras pessoas
presentes,o compreendeu, piscou os olhos e sorriu de volta. Era Makakasho, o
primeiro discípulo de Buda a receber a transmissão do Darma, a confirmação de
que ele era um de seus sucessores diretos, que o compreendia em grande
intimidade. Em silêncio e no silêncio os ensinamentos (Darma) assim foram
passados de uma pessoa a outra, pela primeira vez. Buda então disse: "Eu
possuo a maravilhosa mente de Nirvana (paz, tranqüilidade sábia) e a visão que preserva o tesouro dos
verdadeiros ensinamentos. Agora, os transmito a você, Makakasho."
2. Certa feita, Xaquiamuni Buda estava sentado em
meditação numa floresta da Índia antiga. Buda e mais de algumas centenas de
discípulos.
Um senhor, que queria muito falar com Buda, vindo de
longe e recebera a informação de que Buda estava nessa floresta. O homem foi
adentrando.
Não se ouvia nenhum ruído humano. Será que estariam
brincando com ele? Onde estaria Buda e seus inúmeros discípulos? Estava quase
desistindo quando, ao dar mais alguns passos, se surpreendeu ao ver uma
multidão de pessoas sentadas com a postura ereta, em profundo silêncio. Zazen,
meditação só é possível no silêncio.
3. Houve um peregrino que, descontente com o que ouvira
sobre os ensinamentos de Buda, resolveu questioná-lo publicamente:
"Se os seus ensinamentos são da lei da causalidade,
de que tudo que existe está conectado a tudo o mais e que há causas e condições
para que algo se manifeste ou deixe de se manifestar, então, me responda agora,
qual a causa primeira?
E Buda silenciou.
Sobre esse silêncio de Buda já se escreveram inúmeras
teses explicativas. Mas, Buda apenas silenciou.
Esses três episódios acima são de alguns dos momentos
importantes do silêncio dentro dos ensinamentos de Buda:
O silêncio da grande intimidade, do compreender profundo,
da transmissão dos ensinamentos.
O silêncio da meditação, do zazen, do aquietar
corpo-mente e transcender corpo-mente, penetrando a unidade absoluta, o samadhi
dos samadhis.
O silêncio da não dualidade, da integridade. O silêncio
da não discussão. O silêncio do silêncio.
Quando silenciamos podemos ouvir melhor.
Quando silenciamos podemos sentir melhor.
Quando silenciamos nos permitimos banhar por todos os sons e por todas as formas.
Quando silenciamos podemos sentir melhor.
Quando silenciamos nos permitimos banhar por todos os sons e por todas as formas.
Mais difícil do que o silêncio da boca, das palavras, dos
sons emitidos é o silêncio interno, o silêncio da mente.
Apenas quando a mente silencia podemos entrar em contato
com a essência do Ser.
Mas temos por hábito falar e comentar, nos entreter com
sons e imagens, fugindo do encontro profundo com a realidade.
Criamos realidades falsas sobre a realidade verdadeira. Queremos acreditar em nossas fantasias e nos incomoda o sil6encio que permite penetrar no real e cancelar o falso. São armadilhas da mente humana. Buda dizia que "a mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e assaltantes vingadores." Por isso é necessário conhecê-la. Conhecer a própria mente. Para isso há o caminho do silêncio. O caminho de aquietar as oscilações mentais.
Estamos muito acostumadas ao entretenimento. Mantendo a
televisão, rádio, computador, face-book, celulares ligados o tempo todo.
A mente está ligada o tempo todo, sim, mas entre pensamentos há espaços vazios e não estamos acostumadas a observar esse vazio.
Ao entrar em uma sala, observamos os móveis, as pessoas,
janelas, cortinas. Raramente percebemos os espaços vazios, os espaços entre as
pessoas, entre os móveis. Os espaços entre as falas, os espaços entre os
pensamentos. As pausas na música fazem a música melhor. Há pausas em nossas
conversas. Podemos dar importância a essas pausas, a esses espaços vazios, ao
silêncio. Sem ele não há musica, não há pensamentos, não há nem mesmo o nada.
O silêncio e o som são como uma caixa e sua tampa. O
excesso de informações, de estímulos, nos faz esquecer-se da pausa, da doçura
do silenciar, do aquietar.
Desaprendemos a estar com alguém em silêncio. Sentir a
presença de alguém sem precisar conversar, falar, comentar a realidade. Apenas
estar presente.
Presença absoluta, sem nada extra, sem nada faltando.
Essa a experiência do silêncio que mais me fascina.
Uma vez, estava no aeroporto de Saporo, no norte do
Japão, com meu mestre de transmissão, Yogo Suigan Roshi. Um aeroporto de grande
movimento.
Seus outros discípulos estavam estacionando o carro e
cuidando de suas bagagens. Ficamos parados nas proximidades da entrada do
aeroporto, em silêncio. Foi intenso perceber o quanto este monge antigo era
sábio. Estava apenas presente em cada momento. Sem pressa, sem ansiedade, sem
nada especial para comentar ou falar "para passar o tempo". Ele era o
tempo. Ele era o momento. E aprendi com ele a estar presente no presente
momento.
Mais do que muitas palavras, a força da quietude interna
não precisa alardear sua sabedoria ou compreensão.
Podemos estar em grande intimidade, sem nada dizer.
Talvez as experiências mais profundas sejam silenciosas -
quer de alegria, quer de tristeza.
Na cidade de São Paulo há muitos pássaros e seus trinados
nos alegram. Mas, ao final do dia, eles se recolhem e surgem os sons da noite.
Temos de aprender a nos recolher em nós mesmos e
reaprender a ouvir o grande silêncio.
Sem apego e sem aversões, ouvir o silêncio e apreciar a vida.
Mãos em prece
Monja Coen
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