Mãos em prece
“No Dia do Trabalho, eu me retiro. Para ouvir as vozes internas, que
também são externas”
No Dia do Trabalho eu me retiro.
Retirar é meu trabalho.
Meditar e silenciar para poder ouvir.
Não ouvir apenas os gritos das manifestações.
Ouvir os sons e os silêncios do mundo.
Ouvir para entender.
A base do diálogo, não da discussão.
Há um ser iluminado no budismo que vê os lamentos do mundo. Não ouve,
vê.
Podemos ver os lamentos e atender às verdadeiras necessidades? Sabemos
quais as nossas verdadeiras necessidades? Será que devemos confiar em nossas
percepções?
Até mesmo as percepções podem nos enganar.
A mente alerta, a mente desperta, vê em profundidade, analisa, questiona
a si mesma.
“Estudar o Caminho de Buda é estudar o Eu. Estudar o Eu é transcender o
eu. Transcender o eu é ser iluminada por tudo que existe. Nenhum traço de
iluminação permanece.” (Mestre Dogen, século XIII Japão)
Estudar o Eu no qual todos e todas estão incluídos. Estudar, apreender,
conhecer, reconhecer a realidade com sua múltiplas faces. Todas a minha face.
Ver os lamentos do mundo, sem se lamentar.
Manifestar-se sem ferir e sem ser ferida.
Agir no mundo e não só reagir, sem pensar.
Adequação. Discernimento correto.
Compreender o que somos, quem somos — tanto como pessoas como quanto
sociedades.
Intersomos. Uma nova palavra para uma nova era.
Transcender o mundo, sendo o mundo.
Somos a vida da Terra. Não viemos de fora e não iremos para fora.
Estamos interligados, interconectadas a tudo e a todos. Cada partícula contem o
todo. Não somos parte do todo. Cada um, cada uma de nós é o todo manifesto.
Apreciemos.
Uma rede infinita de raios luminosos se intercruza, se interpenetra,
numa trama ensurdecedoramente brilhante. Em cada intersecção há uma joia
refletindo todas as direções — esta é uma descrição de textos clássicos
budistas sobre o que hoje chamamos de pluriverso. Já não é mais Universo. Isso
somos nós.
Acordar, despertar para a transitoriedade, a impermanência e a
interdependência é o Caminho Iluminado.
No Dia do Trabalho, eu me retiro. Para ouvir as vozes internas, que
também são externas.
Procuro entender as manifestações do ser e do não ser. No silêncio da
mente há paz, tranquilidade. Não a paz dos tolos, que se calam por não saber.
Procuro a paz dos sábios e das sábias.
Que atuam com dignidade e respeito à vida construindo a ética desta era
informatizada.
Cadeirante por algumas semanas, percebo o mundo sob outro prisma. As
pessoas têm cinturas e pernas. Crianças têm faces. No aeroporto a empresa de
aviação me empresta uma cadeira de rodas e a jovem me coloca num corredor de
espera. Lá estamos nós, cadeirantes, deficientes, idosos e idosas. Aguardamos
para que alguém nos leve ao avião. No primeiro voo, quase o perdi. A jovem foi
levar outra cadeirante e não voltou. Fui a última a entrar, porque tive a
capacidade de mover as rodas da cadeira e ir ao balcão avisar que precisava
embarcar. Poderia ter ficado esquecida ali, naquele corredor. Presa ao meu pé
quebrado e a uma estrutura que desconhece como melhor atender a pessoa com
deficiência.
Estamos todos aprendendo. Aprendendo a nos reconhecer semelhantes, mas
não iguais. E quando entendermos que o absoluto e o relativo funcionam como uma
caixa e a sua tampa, poderemos, talvez, terminar com as guerras, a fome e a
miséria. (Monja Coen)
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