segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Recesso Zendo Brasília




Estaremos em recesso 
de 22 de dezembro a 10 de janeiro

Retorno das atividades 11 de janeiro de 2016 (segunda) às 19h30

Muito obrigada a todos os leitores, colaboradores e praticantes!

Gassho


"Se te contentas com os frutos ainda verdes, 
toma-os, leva-os, quantos quiseres.
Se o que desejas, no entanto, são os mais saborosos,
maduros, bonitos e suculentos,
deverás ter paciência.
Senta-te sem ansiedades.
Acalma-te, ama, perdoa, renuncia, medita e guarda silêncio.
Aguarda.
Os frutos vão amadurecer."

(Professor Hermógenes)

foto:Alice Kohler

Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

foto: Alice Kohler


Meu TOC tem criado rituais vívidos e dolorosos por anos. Poderia o ritual budista me fornecer meios hábeis para combater isso?

Nossa sociedade gosta de mostrar o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) como um estranho hábito, uma excentricidade besta, mesmo que irritante. Não é. Para a pessoa que está passando por TOC, é uma forma de terrorismo mental.

Este terrorismo assume a forma daquilo que os psicólogos chamam de “pensamentos intrusivos” – pensamentos indesejados, dolorosos ou imagens dolorosas que invadem a nossa consciência, provocando profundo medo e ansiedade. Esta é a parte obsessiva do TOC, e pode surgir na mais mundana das circunstâncias. Sentado aqui digitando, por exemplo, eu sinto às vezes uma modesta dor em meus dedos e minha mente entra em ação: Você está digitando demais e está causando danos permanentes às suas mãos. Sente aquelas irritações pequenas na segunda junta de seu dedo anelar esquerdo? Este é o anúncio de artrite. É assim que começa.

Tudo em torno deste papel picado mental, a tensão começa a surgir – uma maré que ameaça me afogar se eu não agir imediatamente. É difícil enfatizar o quanto isto pode ser sufocantemente claustrofóbico ou apenas o quanto eu estou tentado a fazer para que o sentimento vá embora. E é aqui que os terroristas fazem suas demandas. Digite mais devagar. Ponha seus protetores de pulso. Pare completamente de digitar. Então você não terá que se sentir desta forma. Estas são as “compulsões”, comportamentos rituais destinados a aliviar a ansiedade.

Estes rituais podem ter muitas formas. Para algumas pessoas, aquilo que você vê na tevê – repetidamente verificar para ver se a porta está trancada, contar as letras nas palavras até que um total específico for alcançado, evitar as rachaduras na calçada. Eu experimentei algumas destas, mas para mim, os convites para ritualizar tendem a ser puramente mentais — ruminar infinitamente, revendo mentalmente cenários que produzem ansiedade até que eu encontre uma maneira de vê-los que dissipará minha ansiedade (o que, naturalmente, nunca acontece). O traço comum são os rituais, a promessa que há algo repetitivo e formalizado que eu possa fazer para que as coisas fiquem melhores.

O que nos traz à religião. Como no TOC, o ritual desempenha um papel central em todas as tradições religiosas. Não quer dizer, naturalmente, que o ritual desempenha exatamente o mesmo papel no TOC e na religião. No final das contas, o ritual religioso é uma enorme arena da atividade humana, um meio de expressão para quase todos os desejos, necessidades e vontades do ser humano. Iria muito além da arrogância para mim — alguém de 31 anos, cuja experiência da prática religiosa é largamente limitada ao cristianismo evangélico e ao budismo tibetano — para me pronunciar sobre tudo isso.

Mas eu fui tocado pelo fato de que há uma base comum entre meus rituais privados e os rituais que as religiões inventaram. E pela minha própria experiência, tendo crescido como cristão evangélico e agora praticando os rituais do budismo tibetano, eu compreendi uma coisa. Alguns rituais são projetados para ajudar-nos a nos “manter inteiros”. Outros são projetados para ajudar-nos a desmoronar. Os rituais do TOC são estes primeiros, e assim também são muitos rituais religiosos. Mas a meditação budista oferece uma alternativa radical.

A ansiedade no coração do TOC torna visível todas as certezas e suposições profundas e implícitas que eu confio — e então as destrói. Você pode imaginar debater-se em pânico, o desespero arbitrário — e, sobretudo, a vontade de tocar qualquer coisa que pareça remotamente como um bote salva-vidas.

O que, naturalmente, é o ritual. Acabei de ler o artigo mais vez. Não vai doer verificar outra vez o alarme, vai? Porque não dirigir precisamente no limite de velocidade pelo resto da viagem, que de maneira alguma você pudesse ser parado pela polícia. O ritual não vem necessariamente embalado como um ritual. Ao invés disso, chega em forma de uma medicação contra a dor perfeitamente calibrada, a solução racional para minha confusão e desordem. Quando estou me sentindo um pouco perdido, ela promete fazer com que eu me ache novamente.

Ou seja, os rituais do TOC oferecem restaurar a narrativa interrompida de minha vida, recriar um roteiro no qual todos meus pensamentos, sentimentos e emoções felizes podem ser integrados e o movimento para frente restabelecido.


Nossas mentes não são as salas de comando cognitivas ou a sede central de processamento de emoções que imaginamos.

Como com TOC, também com religião. Muitos dos grandes antropólogos e sociólogos de religião, incluindo Émile Durkheim e Victor Turner, indicaram as maneiras que fazem os rituais religiosos unirem as comunidades. Mas muitos rituais religiosos tentam unificar o indivíduo, para restaurar um sentido de coerência e continuidade. Isto pode tomar várias formas: purificar-se de atos imorais, restaurar um relacionamento danificado através de uma deidade e assim por diante. Nos círculos evangélicos em que eu cresci, a grande ênfase era posta em “se acertar com Deus”, em renascer em Cristo e comprometer-se em “caminhar com Ele”. Fazer isso era um ato decisivo; fazia com que o crente ganhasse um lugar entre os salvos e uma entrada para o céu.

Seja qual for a forma, estes tipos de rituais prometem que não mais ficaremos perdidos, desintegrados. Para ajudar a atingir esta promessa, TOC e a maioria dos rituais religiosos dependem da crença de que há realmente algum tipo da entidade, algo no núcleo de nossa identidade. Os Hindus podem chamar de atman; aqueles que cresceram no ocidente podem preferir “alma”. Seja lá como for chamada, muitas pessoas acreditam firmemente que em algum lugar dentro de nós há um centro, a sede da consciência, a matriz mental que processa as experiências e faz escolhas deliberadas sobre como se mover pelo mundo.

Em contraste com a minha criação evangélica cristã, o budismo sugere que este é um erro profundo, que quando procuramos realmente por tal entidade, um núcleo estável do nosso ser, não há simplesmente nada para ser encontrado.

Ao contrário do TOC, ou dos rituais de minha infância evangélica, os rituais budistas funcionam, não porque nos ensinam como permanecer inteiros, mas porque nos mostram como desmoronar.

Porque o ego sólido é uma ficção, ele requer constante manutenção. Estamos filtrando constantemente nossa experiência — excluindo informação, reprimindo nossos sentimentos e ignorando nossas conexões profundas com outras pessoas — a fim de defender e perpetuar uma compreensão estreita de nós mesmos. Em outras palavras, estamos constantemente nos iludindo sobre quem e o que somos.

Por que, você pode perguntar, alguém se dedicaria a este tipo de auto-decepção? O mestre contemporâneo do budismo tibetano, Chögyam Trungpa Rinpoche, disse que temos medo do que sabemos ser verdade: que quando olharmos para o centro de nosso ser, não encontraremos nada para nos segurar. Em suas palavras, temos medo de não existir.

De acordo com ensinamentos tradicionais budistas, o ser é marcado pela impermanência. Nada — nenhuma experiência, nenhum pensamento, nenhum sentimento, nenhuma forma de auto-conhecimento, e certamente nenhum corpo físico — dura para sempre. E mesmo quando as coisas parecem, elas nunca são autônomas. Ao invés disso, são interdependentes, compostas — e ajudam a compôr — todo o resto.

O Abhidharma – uma coleção de textos tradicionais da psicologia budista, na verdade vai muito além, descrevendo como nossas próprias mentes são compostas de cinco elementos básicos (forma, sensação, percepção, conceito/formação mental e consciência). Em outras palavras, nossas mentes não são as salas de comando cognitivas ou sede central de processamento de emoções que imaginamos. Ao invés disso, a mente é uma etiqueta que se refere a nada em si, mais como uma multidão, que nada mais é do que a junção e interação de indivíduos.

De acordo com a psicologia budista, podemos realmente testemunhar a verdade destas reivindicações observando como nossas próprias mentes funcionam. Rituais e práticas budistas buscam expor os nossos próprios processos mentais — para nos mostrar exatamente como criamos e perpetuamos as ilusões que nos mantêm sofrendo.

A parte central do ritual e da prática budista é, naturalmente, meditação. Há uma variedade enorme de tradições e práticas meditativas dentro e além do budismo, e as novas variações parecem surgir regularmente (particularmente porque o mercado para a espiritualidade oriental explodiu no ocidente). Para ficar claro, então, irei restringir meus comentários a meditação shamatha tradicional como ensinado por Trungpa Rinpoche. (Para constar, há um ano e meio sou um praticante em sua linhagem.)

Na shamatha, o praticante foca simplesmente na expiração, seguindo-a enquanto passa pela ponta do nariz e se dissolve no espaço. Os pensamentos brotam, naturalmente, e quando o praticante nota que sua atenção foi desviada, ele simplesmente observa e retorna à respiração.

Com o passar do tempo, o praticante começa a observar a quantidade absoluta de pensamentos e sentimentos que sua mente está gerando. Ele vê a forma como estes fenômenos mentais têm uma misteriosa vida própria —surgem de lugar nenhum e desaparecem outra vez. Começa a notar que é possível ver pensamentos e sentimentos sem julgar, reagir ou identificar-se com eles.

Quando isto acontece, o praticante começa a observar algumas das histórias que ele conta a si mesmo. Algumas destas são grandes histórias sobre o tipo de pessoa que é, o “significado” de sua vida, e assim por diante. Outras são muito menores — sua narrativa sobre porque deve comprar esta escova de dente ao invés de outra, por exemplo. Mas em ambos os casos começa a ver que estas histórias são compostas simplesmente de pensamentos e sentimentos — como pisca pisca em uma árvore de natal. Ou seja, vê que suas histórias sobre si mesmo também são inventadas. (Praticantes da terapia cognitivo-comportamental contemporânea — CBT —podem achar tais insights familiares.)

E quando reconhece isto, um tipo de “soltar” ocorre. O praticante não somente se identifica menos com seus pensamentos e sentimentos individuais, mas começa também a confiar menos em certas maneiras de compreender a si próprio. Sente menos e menos necessidade de resumir sua experiência, de encurralar sua furiosa tempestade de pensamentos e sentimentos em uma visão estável, permanente de quem é. E como começa a deixar para lá sua constante ânsia e apego por solidez, um sentido mais pleno de quem ele é começa a emergir.

Em um retiro solitário de duas semanas de meditação mês passado, descobri o que acontece quando os dois tipos de rituais colidem: meu TOC, elaborado para agarrar um falso ego (self) e a minha prática budista, projetada para desmontá-lo.

Eu estava em Dorje Khyung Dzhong, um centro de retiros em uma área remota do sul do Colorado. É formado de oito cabines de retiro espalhadas por 400 acres em uma região selvagem intocada. Meu professor e um outro membro de minha comunidade de meditação estavam também lá, em cabines aproximadamente 800 m de distancia da minha. A cada três dias, eu visitava meu professor por uma hora. Fora isso, estávamos cada um por si.

A primeira semana foi de muito foco e intensa. Eu abri e fechei cada dia com uma série de mantras e oferendas; no meio tempo, passei longas sessões meditando sentado e andando. Minha mente estava desacelerando; houve até alguns momentos entre as sessões que notei nem estar pensando, e aquele nada parecia estar faltando.

Entretanto, no sexto dia, comecei a observar uma dor em meus joelhos. (Eu estava cuidando de um leve ferimento no joelho haviam meses, mas as coisas tinham ido bem nos vários dias anteriores.) Eu não era capaz de dizer se este era o TOC inventando histórias sobre minhas escolhas e suas consequências — esqueci de alongar antes da dolorida sessão de meditação sentada — ou a dor era “real”. Se fosse uma obsessão, eu certamente não queria desistir e ritualizar. Por outro lado, eu não queria ser imprudente com meu corpo, especialmente, com mais uma semana de retiro pela frente.

Em certo ponto, o surgimento da tensão mental simplesmente forçou uma escolha. Troquei meu acento de meditação por uma cadeira, esperando que isto fizesse menos pressão sobre meus joelhos.

Seja qual for a verdade no assunto, agora um padrão estava em jogo. Eu concedi inicialmente algum espaço e isto tornou muito mais fácil conceder outra vez. Eu cortei completamente a meditação sentada, adicionei mais sessões andando, e introduzi meditação deitada.

Com o passar dos dias, o padrão intensificou-se. Até mesmo a meditação andando “machucava”, assim me limitei a prática deitado. Eu fiz a varredura de meu corpo para os sinais mais sutis de desconforto; quando eu detectei a mais ligeira contração muscular ou pontada, minha mente se inundava de tensão.

Mesmo sentado na mesa para comer ou ler tornou-se incontrolável. Eu construí uma elaborada engenhoca com almofadas e cadeiras, uma forma de tração improvisada que eu esperava me suspender além de minhas ansiedades por alguns minutos de cada vez. Somente situar-se requeria um jogo delicado de movimentos corporais, cada qual necessitando reajuste do equipamento. Eu tinha construído uma prisão.

Ficou claro: meus rituais do TOC estavam me impedindo de praticar os rituais budistas que eu queria praticar no retiro. Permanecer lá começou a parecer masoquismo e eu parti, juntamente com meu professor.

Ficou claro que eu não estava pronto para esse retiro. Mas não abalou minha fé no valor da prática de meditação. TOC pode ter ganho a vantagem, mas está em vantagem há décadas. Leva tempo para desacelerar e reverter tais padrões profundamente enraizados.

TOC frequentemente é como escolher seu próprio romance de aventura, exceto que todas as escolhas são uma droga e todas as aventuras machucam. Entretanto, aos poucos comecei a aprender com o estudo do budismo e dos rituais, que aquelas “escolhas” são ilusórias e não há ninguém sendo ferido. De fato, não há ninguém lá. A tentativa de alcançar o prazer ou evitar a dor, para permanecer consistente com um enredo, para assegurar algum tipo do resultado, para ser alguém — isto é o que causa tanto sofrimento.

Esta é uma mensagem dura de se ouvir, em partes porque nossa cultura coloca uma ênfase tão forte na construção de um eu integrado com uma história coerente na vida. Acreditamos que bem no fundo, há algum tipo de base contínua e estável para nossa identidade, alguma fundação inabalável que nos dá a capacidade de controlar parcelas significativas de nossa experiência: para ser quem realmente somos, para que sejamos verdadeiros conosco. Muitos rituais religiosos são projetados para reforçar esta visão — para convencer-nos que é possível sermos inteiros e para fornecer um método que promete nos ajudar a fazer isso. E ainda que tenham diferenças importantes, TOC e seus rituais são construídos dentro de uma visão de mundo similar.

Mas essa visão de mundo não é verdadeira. Não é possível nos manter inteiros e sólidos, porque não somos uma coisa coerente. Ao invés disso, somos um tipo de fluxo, uma série de padrões e surpresas, interligados indissociavelmente no campo maior dos fenômenos que chamamos realidade. O que significa que não podemos realmente nem desabar, porque, em primeiro lugar, nunca fomos sólidos ou inteiros. O que podemos fazer, porém, é reconhecer estas verdades e aprender a estar em paz com elas.

Naturalmente, uma coisa é falar ou escrever sobre estas coisas. Outra, sabê-las inteiramente em seu corpo, no nível do instinto. E aqui, de acordo com o budismo, é onde a prática da meditação é essencial. Sentando-se sozinhos com nós mesmos e vendo o que nossas mentes estão sempre fazendo, começamos a redescobrir o espaço, a recordar que é possível pisar fora da esteira transportadora e vê-la passar.

Matt Bieber completou recentemente um mestrado em Estudos Budistas e agora está fazendo um curso para professor de escola elementar. Ele escreve para o blog The Wheat and Chaff. Este texto foi publicado originalmente na Aeon Magazine e traduzido por Alessandra Gusatto. 

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Ascensão a montanha










"No Zen nós temos o treinamento da ascensão da montanha e o treinamento da descida da montanha. O treinamento da subida da montanha é a viagem da luta para a ascensão, deixando o mundo para trás. À medida que sobe você lida com o constante diálogo interno, trabalha com a dor e o sofrimento que passa a reconhecer como vindo de si mesmo(a).

As ferramentas que ajudam a alcançar o pico da montanha são a respiração, os koans (o koan é uma narrativa, diálogo, questão ou afirmação no Zen-Budismo que tem por fim revelar a Verdade) e os preceitos.

Então você chega ao grande topo místico, você conquistou a realização. Mas a realização não é muito útil no pico da montanha e, assim, o treinamento prossegue com a descida da montanha, com o retorno ao mundo. É lá que começamos a ver como a base absoluta da realidade influencia a nossa atividade diária. Descer a montanha é, sem dúvida, o aspecto mais longo da nossa prática - muito mais difícil do que perceber a natureza do universo, a natureza do eu. Uma coisa é ter um vislumbre (insight) e outra completamente diferente é realizá-lo em tudo que fazemos.

Realização é compaixão, a atividade da sabedoria no mundo."

Texto de John Daido Loori Roshi

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O voto




"Faço o voto de trazer alegria a uma pessoa pela manhã, e de aliviar o sofrimento de uma pessoa à tarde; vivendo de maneira simples e sensata, com poucos pertences, mantendo meu corpo saudável. Faço o voto de abandonar minhas preocupações e ansiedade de maneira a ser leve e livre."



trecho do "Cântico do Refúgio"; traduzido a partir de "Chanting from the Heart - Buddhist Ceremonies and Daily Practices", Thich Nhat Hanh and the Monks and Nuns of Plum Village, Parallax Press, 2007

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Esqueça a felicidade

foto: Lou Gaioto


A felicidade dos três mundos desaparece num instante, como uma gota de orvalho em uma folha de grama. O maior nível de liberdade é aquele que nunca muda. Apontar para isto – esta é a prática de um bodhisattva.

A busca da felicidade por si só é uma missão de tolos. Como meta, ela é frívola e irrealista – frívola, porque a felicidade é um estado transitório que depende de diversas condições; e irreal, pois a vida é imprevisível e a dor pode surgir a qualquer momento.

A felicidade que você sente quando consegue algo que você sempre quis, geralmente, não dura mais do que três dias. Os estados de êxtase, na meditação, são semelhantes, mesmo que surjam como bem-aventurança física ou como a bem-aventurança do espaço infinito, da consciência infinita ou do nada infinito. Esses estados se dissipam tão logo você retoma a confusão da vida. Uma gota de orvalho em uma folha de grama, de fato!

A busca da felicidade é uma continuação da visão tradicional da prática espiritual – uma maneira de transcender as vicissitudes da condição humana. Valhalla, o paraíso, céu, nirvana, tudo isso mantém uma promessa de eternidade, felicidade, pureza ou união com uma realidade derradeira. Estes quatro anseios espirituais são todas as reações evasivas para os desafios dos encontros na vida.

Pare um momento e pense sobre o que você está procurando em sua prática. É uma espécie de transcendência, se não em Deus, então em um deus-substituto tal como consciência atemporal, puro êxtase, ou luz infinita?

Você está procurando por uma consciência tão profunda e poderosa que a sua frustração e dificuldades com a vida desaparecem na presença de sua compreensão e sabedoria? Você não está à procura de uma passagem para longe da confusão da vida?

Se você pensar em liberdade como um estado, você está, na verdade, em busca de uma espécie de paraíso. Ao invés disso, pense em liberdade como uma forma de experimentar a vida em si, um fluxo contínuo em que você se encontra com o que surge em sua experiência, aberto a isso. Faça o que precisa ser feito para aumentar a sua capacidade, e, em seguida, receba o resultado. E faça isso uma vez, outra vez. A liberdade que nunca muda torna-se, então, o exercício constante de tudo o que você sabe e entende. É a maneira como você se envolve com a vida. Não é algo que o distingue dela. De que outra maneira é possível, para as pessoas que realizam a prática na prisão ou em outros ambientes altamente restritos, dizer que encontraram a liberdade mesmo dentro de seu confinamento?

A vida é dura, mas quando você vê e aceita o que está realmente acontecendo, mesmo que seja muito difícil ou doloroso, a mente e o corpo relaxam. Há uma excelente qualidade que vem apenas ao experimentar o que surge, completamente, sem separação entre a consciência e a experiência.

Alguns chamam isso de alegria, mas não é uma alegria eufórica ou animada. É profunda e tranquila, uma alegria que, em certo sentido, está sempre lá, esperando por você, mas geralmente é tocada apenas quando algum desafio, dor ou tragédia te deixa sem opção, a não ser se abrir e aceitar o que está acontecendo em sua vida.

Outros chamam isso de verdade, mas esta é uma palavra carregada e enganosa, que carrega consigo a noção de algo que existe além da própria experiência. A verdade como um conceito estabelece uma oposição com o que é considerada uma “não verdade” e essa dualidade leva necessariamente à autoridade hierárquica, ao pensamento institucional e a violência.

Nesta liberdade, você está livre das projeções dos pensamentos e dos sentimentos, e você está acordado e presente em sua vida. Reações ainda podem surgir, mas elas vêm e vão por conta própria, como flocos de neve que descem em uma pedra quente, como névoa no sol da manhã, ou como um ladrão em uma casa vazia.

O que é a liberdade? Não é nada mais, nada menos, do que a vida que se vive acordado.

Todo sofrimento vem de querer a sua própria felicidade. O despertar completo surge da intenção de ajudar os outros. Portanto, trocar completamente a sua felicidade pelo sofrimento dos outros, esta é a prática de um bodhisattva.

Esqueça sobre ser feliz. Tire isso da sua mente.

Quando você diz para si mesmo: “eu quero ser feliz”, você está dizendo a si mesmo que você não está feliz, e você começa a procurar algo que vai fazer você se sentir feliz. Você vai ao cinema, vai fazer compras, sair com os amigos, comprar um casaco novo, um computador, joias, ler um bom livro ou explorar um novo hobby, em um esforço para se sentir feliz. Quanto mais você tenta ser feliz, mais você reforça a crença de que você não está. Você pode tentar ignorá-la, mas a crença ainda está lá.

Mesmo em relacionamentos íntimos, passando o tempo com um amigo, ou até mesmo ajudando os outros ou fazendo outras coisas boas, se a sua atenção é sobre o que você está sentindo, ou na vantagem que pode ter com isto, então você vê essas relações como transações. Porque o seu foco está em como você está se sentindo. Conscientemente ou inconscientemente, você está se colocando em primeiro lugar e os outros em segundo.

Esta abordagem te desconecta da vida, da totalidade de seu mundo. Inevitavelmente, você acaba se sentindo enganado no relacionamento com a sua família, os seus amigos, e no seu trabalho. Esses desequilíbrios formam uma onda, afetando todos ao seu redor e além. A mentalidade transacional do autointeresse é o problema do mundo moderno. Se você tivesse que deixar de buscar a felicidade, o que você faria? Para colocar isso de forma um pouco mais dramática, suponha que lhe dissessem que não importa o que você fez, você nunca seria feliz. Nunca. O que você faria com a sua vida?

Você pode prestar mais atenção nos outros. Você pode aceitá-los como eles são ao invés de procurar maneiras de “inventá-los” de acordo com sua ideia de como eles deveriam ser. Você pode começar a se referir à própria vida, ao invés de procurar o que obter dela. Você pode estar mais disposto a se envolver com o que a vida traz para você, com todos os seus altos e baixos, ao invés de sempre querer que ela seja diferente do que é.

Aqui é onde entra a prática de dar e receber. Pegue o que você não quer e dê o que você quer. Pegue o que é desagradável e dê o que é agradável. Pegue a dor e dê alegria.

Parece um pouco louco – um suicídio emocional, como uma pessoa colocou. Mas isso neutraliza a tendência profundamente arraigada de concentrar-se em si mesmo em primeiro lugar e em todos os outros em segundo. A atitude transacional é usada para destruir a si mesmo, porque você doa tudo o que te faz sentir feliz e você pega tudo o que faz os outros infelizes.

Nos ensinamentos tradicionais, você coordena o pegar e o doar com a respiração, pegando a dor e o sofrimento do mundo enquanto respira e doando a sua própria alegria e felicidade para o mundo enquanto expira. Faça isso com todos os aspectos da sua vida – o bom e o mau, o feio e o bonito. Estenda isso para tudo o que você experimenta, interna e externamente. Quando você vê outras pessoas lutando, por qualquer que seja a razão, imagine-se pegando as suas lutas e enviando-as para a sua própria experiência de paz, felicidade e alegria.

Não importa quem são eles: o rico, o pobre, o doente ou o criminoso. Se eles estão lutando, pegue as suas lutas e envie-as a alegria, a felicidade ou bem-estar que você experimenta, tem experimentado, ou espera experimentar. Se eles estão com dor, pegue a sua dor. Envie-lhes o seu alívio e conforto. Se eles estão causando dor, pegue o tumulto emocional ou intencional, ignorando que isso os leva a causar sofrimento aos outros. Envie-lhes o amor, a compaixão e a compreensão que você recebeu ou gostaria de receber.

Não edite a sua experiência de vida. O que quer que você encontre – um morador de rua tremendo em uma soleira gelada de concreto, um amigo cujo parceiro acabou de deixá-lo por outra pessoa, um parente que luta contra uma dor crônica, a notícia de fome, guerra, ou os efeitos devastadores da ganância, da corrupção, ou crenças inflexíveis. Qualquer que seja a dor, pegue-a.

Não seja mesquinho. Dê aos outros tudo e qualquer coisa que lhe traga alegria. É bem sucedido em seu trabalho? Dê o seu sucesso. Tem dinheiro no banco? Envie a alegria do bem-estar financeiro aos outros. Você aprecia sua inteligência, sua capacidade de pensar com clareza e resolver os problemas? Doe-os. Tem talento, musicalmente, fisicamente, ou artisticamente? Dê o seu talento. Você gosta dos amigos e companheiros? Doe-os.

A cada troca, entre em contato tanto com a dor e as deficiências no mundo quanto com a sua própria alegria e habilidades. Leve a dor e envie a sua alegria.

Esta prática conduz à felicidade? De modo nenhum; mas ajuda a entender o sofrimento e as lutas dos demais. Sejam quais forem os altos e baixos e as alegrias e as dores em que se encontram, você pode estar com eles, porque você sabe que a vida não é perfeita e você não espera que ela seja.

Como o meu professor disse uma vez: “Se você pudesse realmente tirar o sofrimento de todos no mundo, levando tudo isso para dentro de você com uma única respiração, você hesitaria?”.

Prática: Tonglen

Comece a sua sessão de meditação prestando atenção na experiência da respiração. Acomode a mente e o corpo. Em seguida, abra a sua consciência para tudo ao seu redor, tudo o que você vê, ouve, toca, cheira ou gosta. Inclua tudo o que você sente em seu corpo e todas as suas emoções, pensamentos, imagens. Então diga a si mesmo: “Isto é como um sonho”, e pergunte: “Que experiência é essa?” Não tente responder. Apenas pergunte e descanse por alguns momentos.

Então, pense em todas as lutas que você teve na vida: em sua família, com a doença, na escola, no trabalho, com o fracasso e a decepção, com a dor e a perda, e pense em como todo o resto do mundo tem as mesmas lutas – mais fáceis para alguns, mais difíceis para outros – e como eles querem se livrar delas, assim como você quer se livrar das suas.

Pense também sobre tudo o que traz alegria, felicidade, significado e paz para a sua vida: sua saúde, seus talentos, suas habilidades e capacidades, seus sucessos, sua família, amigos, colegas, sua casa ou jardim. Pense em como todo mundo, cada ser, quer o mesmo tipo de alegria, confiança, paz e liberdade. Descanse por alguns minutos.

Agora expire suavemente e imagine que você está dando, para todos os seres em todos os lugares, tudo o que traz alegria e felicidade, ou seja, a paz ou bem-estar para as suas vidas. Imagine tudo isso se transformando em luz, uma luz suave, como a prata do luar. A luz vem do seu coração, sai pelas narinas, leva toda a sua alegria e felicidade para todos os seres em todos os lugares.

Enquanto você respira, imagine-se pegando toda a dor do mundo, o sofrimento, a doença, a depressão, obsessão, agressão, opressão, dor, ferimentos, pobreza, ódio ou loucura, a dor de ser prejudicado e a dor de causar sofrimento – tudo o que leva as pessoas a lutar em suas vidas. Imagine tudo isso aderindo em uma fumaça pesada, espessa, negra que entra em você, através das suas narinas, e em seu coração, onde você sente isso.

Você faz isso para todos os seres, sem prejuízo, discriminação, preconceito ou preferência. Isto é equanimidade.

Mais uma vez, ao expirar, envie toda a sua alegria e felicidade, e de novo, enquanto respira, pegue todas as suas dores e lutas. Faça isso mais uma vez e mais uma vez. É importante fazer ambas as coisas com cada respiração, tocando a sua felicidade e enviando-a para fora, tocando as suas lutas e recebendo-as.

Talvez você encontre resistência emocional, seja para doar o que você aprecia ou pegar o que você teme e detesta. Não importa. Inclua sua resistência na prática e faça-a mesmo assim.

À medida que você se acostumar com essa troca, o que pode demorar um pouco, você irá descansar de uma forma diferente, em uma profunda aceitação da dor do mundo e as lutas que compõem a vida das pessoas. Nessa aceitação, há uma alegria tranquila, uma alegria na maravilha da própria vida.

(Mc Leod para a revista Tricycle, traduzida por Angélica Nedog, revisão Luis Oliveira - publicado no site Buda Virtual)

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Sangha








A terceira jóia é a Sangha, que é a comunidade. A prática sem a comunidade é muito difícil. Tentar aprender sem um professor é muito problemático e um grande sinal de vaidade, nem Buda treinou sem professor. Antes de se iluminar ele teve vários professores. É freqüente escutar pessoas dizendo que não necessitam de professores ou instituição, que sozinhos e com leituras e estudos alcançarão a iluminação. Se fosse tão simples, não haveria necessidade de treinadores esportivos ou professores de música, não existe nenhum exemplo de pessoas que se desenvolveram em qualquer setor que seja sem um professor em algum momento. Podemos até superar nossos professores, mas no início precisamos de um guia. Precisamos que alguém que nos ajude, corrija e interprete nossas idéias, senão corremos o risco de ficar batendo a cabeça com pensamentos errados. Em mil novecentos e setenta e três eu conheci o Dharma, isso já faz quarenta anos e ainda hoje eu tenho um professor a quem apresento minhas dúvidas e perguntas. Tenho ciência de minha dependência de seus ensinamentos e em razão disso tenho medo que ele morra, pois seria o mesmo que perder um pai. Não vejo quando poderei prescindir de alguém para me ensinar o Dharma. É extrema vaidade pensar que sozinho sou suficiente, é uma grande tolice. Na sangha nós nos apoiamos, ensinamos uns aos outros e incomodamos uns aos outros. Quando alguém faz algo errado, é nosso mestre de tolerância. Quando alguém é chato, é nosso mestre de paciência. Se alguém diz uma bobagem, é nossa oportunidade de olhá-lo como um sábio. A sangha precisa de um professor, se não houver um professor autorizado e responsável é um clube de meditação e não uma Sangha.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Como a meditação me empoderou como mãe e mudou minha maternidade


Assim que meu filho nasceu, embora tivesse 32 anos, ainda era muito passional e pouco sabia lidar com minhas emoções. Lembro de um momento em que ele teve dificuldade para dormir e eu já não aguentava mais de cansaço, estava a ponto de explodir, via aquele bebezinho indefeso chorando no berço, porque eu não conseguia mais segurá-lo e me manter em pé, e não sabia mais o que fazer. Eu chorei, gritei, deixei-o chorando sem saber o que fazer (comigo mesma) para acolhê-lo. Me senti um lixo.

Nesse dia me dei conta que precisava saber lidar com meus sentimentos e precisava colocar isso em prática, porque meu bebê dependia de mim e aprenderia comigo a gritar ou a se acalmar. Eu sabia que a melhor maneira de resolver algo era dormindo, mas eu não podia dormir, ele mamava e chorava de noite, mais do que eu pensava que conseguia aguentar. Senti que precisava de alguns minutos sozinha, precisava ficar quietinha. Então, passei a meditar todos os dias à noite durante 5 minutos (só isso mesmo, garanto que foi o suficiente para começar), até porque eu estava tão cansada que não conseguia meditar mais tempo.


Hispanic mother and son practicing yoga


Enquanto meu bebê dormia ou estava com o pai (ou a avó), eu me fechava no quarto, sentava na cama e ficava 5 minutos respirando e deixando meus pensamentos passarem pela mente. Historinhas passavam em minha frente, porém, ao invés de pegar o fio da meada do pensamento e dar corda a ele, eu respirava e não prosseguia com a história. Passava pela minha cabeça “`Preciso preparar a comida” e antes de seguir com aquele pensamento: “vou comprar legumes, fazer feijão e arroz…etc, etc”, eu respirava e deixava o pensamento ir.

Com o tempo, além dessa meditação, acrescentei outra: não reagir a qualquer estímulo. Por exemplo, no silêncio do meu recolhimento, se alguém abrisse a porta, o instinto me faria virar para ver quem era, mas eu me exercitava a não reagir instintivamente. Ouvir os barulhos de fora e não querer saber o que era, nem me prender a eles. Esse método me ajudou a ver quais eram meus hábitos e principalmente os que eu queria mudar, como por exemplo, perder o controle de minhas emoções ou descontar em alguém.

Rapidamente eu já consegui passar da percepção de que tinha agido mal, logo em seguida de ‘escorregar’, para perceber o que estava sentindo, antes de reagir como de hábito. Isso é um passo gigantesco para nossa liberdade! Passamos a observar-nos mais e escolher como queremos agir, ao invés de agir por instinto, como um bichinho. Essa consciência sobre como estou me sentindo, me deu possibilidade de perceber também como os outros (e meu filho) se sentiam.

Como vi que ao parar por cinco minutos conseguia me compreender melhor, passei a meditar por mais 5 minutos de manhã. Uau! Minha percepção sobre mim mesma e minhas consequentes empatia e compaixão, brotaram como flor de lótus, da lama. Silenciar me dá tempo para observar e escolher. Conhecer melhor meus hábitos e reações emocionais , me fizeram compreender melhor meu filho. Assim, ao invés de julgar suas atitudes, hoje posso me colocar no lugar dele e acolhê-lo como acolheria a mim mesma, quando criança.

Não pense que não sinto mais emoções negativas, a diferença é que estou mais rápida na compreensão delas e encontro mais opções do que fazer com elas, que não seja perder a consciência ou agir de forma violenta ou desequilibrada. Cada vez que consigo perceber que estou, por exemplo, sentindo raiva e, antes de tomar uma atitude, consigo tomar as rédeas, como adulta, de meus sentimentos, me sinto muito melhor comigo mesma! Vejo em meu filho, a resposta positiva disso: ele fica mais calmo, mais feliz, mais centrado, mais seguro.

Não, não estamos perfeitos e nunca seremos, porque somos humanos. Meu filho faz escândalo como qualquer outro e sente-se inseguro às vezes. E eu me vejo com vontade de gritar com ele, quando ele começa a chorar ou gritar na rua, por exemplo. Mas ao invés de fazer isso, percebo que estou com vontade, respiro fundo, compreendo que ele não sabe como agir, e que eu já sei, sento com ele no colo e acolho nossas duas crianças num abraço amoroso!

A diferença de tudo é que quando meu filho faz um ‘escândalo’, hoje vejo como uma oportunidade de, no meu exemplo, ele aprender como lidar com seus sentimentos. É um exercício diário, como nos Alcoólicos Anônimos: “Só por hoje estarei mais atenta a minhas emoções e não responderei automaticamente a elas”. Assim os episódios de brigas e falta de consciência (meus e de meu filho) espaçam-se muito! Hoje não consigo lembrar quando foi a última vez que gritei (porém, meu filho não esquece que um dia fiz isso)!

Por Juliana Corullón

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Relações e conflitos




“Nossas identidades são flutuantes, não têm sabedoria e nós não temos gestão própria sobre elas. Portanto, as relações são problemáticas, não só conosco mas com os outros também. Quando nós nos juntamos somos como duas boias no mar revolto: no início estão próximas mas, ao final de um certo tempo, cada uma pode estar em um oceano distinto. Os ventos e as ondas vão nos arrastando, não temos propriamente capacidade de gerir, de determinar a direção. No budismo, nosso objetivo é recuperar esta direção. Como recuperar esta direção e como, após recuperá-la, podemos nos aproximar e gerar relações estáveis e satisfatórias?”

Lama Padma Samten no livro “Relações e Conflitos”

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O Ego que frauda a Espiritualidade e até a Meditação







Foto: João Antônio 


“Além do Materialismo Espiritual” 
Por Chögyam Trungpa Rinpoche



De acordo com a tradição budista, o caminho espiritual é o processo de atravessar e superar a nossa confusão, de descobrir o estado desperto da mente. Quando este estado se encontra entulhado pelo ego e pela paranoia que o acompanha, assume o caráter de um instinto subliminar. Dessa forma, não se trata de construir o estado desperto da mente, mas sim de queimar as confusões que o obstruem. No processo de consumir as confusões, descobrimos a iluminação. Se o processo fosse outro, o estado desperto da mente seria um produto dependente de causa e efeito e, assim, passível de dissolução. Tudo o que é criado, mais cedo ou mais tarde, tem de morrer. Se a iluminação fosse criada dessa maneira, haveria sempre a possibilidade de o ego reafirmar-se, provocando um retorno ao estado de confusão. A iluminação é permanente porque não a produzimos; apenas a descobrimos. Na tradição budista, a analogia do Sol que surge por trás das nuvens é freqüentemente empregada para explicar o descobrimento da iluminação. Na prática da meditação, removemos a confusão do ego a fim de vislumbrar o estado desperto. A ausência da ignorância, da sensação de opressão, da paranoia, descerra uma visão fantástica da vida. Descobrimos um modo diferente de ser.

O cerne da confusão é o fato de o homem ter um senso de ego que lhe parece contínuo e sólido. Quando ocorre um pensamento, uma emoção, ou um evento, há o sentido de que alguém tem consciência do que está acontecendo. Você sente que você está lendo estas palavras. Esse senso do eu, na realidade, é um evento transitório, descontínuo, que em nossa confusão parece perfeitamente estável e contínuo. Como tomamos por real a nossa visão confusa, lutamos para manter e incrementar esse eu sólido. Tentamos alimentá-lo com prazeres e escudá-lo contra a dor. A experiência ameaça continuamente revelar-nos nossa transitoriedade, de modo que lutamos continuamente para encobrir qualquer possibilidade de descoberta da nossa verdadeira condição. “Mas”, poderíamos perguntar, “se a nossa verdadeira condição é um estado desperto, por que nos ocupamos tanto em evitar que tomemos consciência disso?” Porque estamos tão imersos em nossa confusa visão do mundo que consideramos real o único mundo possível. Essa luta por manter o senso de um eu sólido e contínuo é obra do ego.

O ego, contudo, consegue apenas sucesso parcial em sua tentativa de defender-nos do sofrimento. É a insatisfação que vem junto com a luta do ego que nos inspira a examinar o que estamos fazendo. E, uma vez que sempre existem hiatos na consciência que temos de nós mesmos, torna-se possível algum discernimento.

Uma interessante metáfora empregada no Budismo tibetano para descrever o funcionamento do ego é a dos ‘Três Senhores do Materialismo”: o “Senhor da Forma”, o “Senhor da Fala”, e o “Senhor da Mente”. Na discussão que se segue sobre os Três Senhores, as palavras “materialismo” e “neurótico” dizem respeito à ação do ego.

O Senhor da Forma refere-se à perseguição neurótica do conforto físico, da segurança e do prazer. Nossa sociedade altamente organizada e tecnológica reflete nossa preocupação em manipular o ambiente físico de modo a nos salvaguardar das irritações provenientes dos aspectos crus, rudes e imprevisíveis da vida. Elevadores acionados, botões de comando, carne empacotada, ar condicionado, privadas com descarga de água, velórios particulares, planos de aposentadoria, produção em massa, satélites meteorológicos, máquinas de terraplenagem, luzes fluorescentes, empregos das nove às cinco, televisão — tudo são tentativas de criar um mundo controlável, seguro, previsível e prazeroso.

O Senhor da Forma não significa as situações de vida em si que criamos para serem fisicamente ricas e seguras. Refere-se, antes, à preocupação neurótica que nos impele a criá-las, a tentar controlar a Natureza. O ego ambiciona assegurar-se e entreter-se, buscando evitar toda e qualquer irritação. Desse modo, agarramo-nos aos nossos prazeres e propriedades, tememos mudanças ou forçamos mudanças, tentamos criar um ninho ou um playground.

O Senhor da Fala tem a ver com o emprego do intelecto no relacionamento com o mundo. Adotamos grupos de categorias que servem como alavancas, como meios para manipular fenômenos. Os produtos mais plenamente desenvolvidos dessa tendência são as ideologias, os sistemas de idéias que racionalizam, justificam e santificam nossas vidas. Nacionalismo, comunismo, existencialismo, Cristianismo, Budismo — todos nos proporcionam identidades, regras de ação e interpretações de como e por que as coisas acontecem como acontecem. Aqui, novamente, o emprego do intelecto não é em si mesmo o Senhor da Fala. O Senhor da Fala indica a inclinação do ego a interpretar o que quer que seja ameaçador ou irritante de modo a neutralizar a ameaça ou transformá-la em algo “positivo” do ponto de vista do ego.

O Senhor da Fala refere-se ao uso de conceitos como filtros que nos resguardam de uma percepção direta do que é. Os conceitos são levados demasiado a sério; são utilizados como instrumentos para solidificar o nosso mundo e a nós mesmos. Se existe um mundo com coisas a que se possa dar nomes, então o “eu”, como uma das coisas nomeáveis, também existe. Nosso desejo é não deixar espaço algum para dúvidas ameaçadoras, para a incerteza ou a confusão.

O Senhor da Mente refere-se ao esforço da consciência em conservar a percepção de si mesma. O Senhor da Mente impera quando usamos disciplinas espirituais e psicológicas como meios de conservar a consciência que temos de nós mesmos, de nos agarrar ao senso de eu. Drogas, ioga, orações, meditação, transes, várias psicoterapias — tudo pode ser usado com essa finalidade. O ego é capaz de converter tudo para seu uso próprio, inclusive a espiritualidade. Se aprendemos, por exemplo, uma técnica de meditação dentro de uma prática espiritual particularmente benéfica, o ego se põe, primeiro, a tratá-la como um objeto de fascinação e, depois, a examiná-la. Por fim, visto que o ego é sólido apenas na aparência e não pode, de fato, absorver coisa alguma; só é capaz de arremedar. Em tais circunstâncias, ele procura examinar e imitar a prática da meditação e o modo de vida meditativo. Depois de aprendermos todos os truques e todas as respostas do jogo espiritual, tentamos imitar automaticamente a espiritualidade, já que o envolvimento verdadeiro exigiria uma completa eliminação do ego, e a última coisa que desejamos fazer é renunciar completamente a ele. Entretanto, não podemos experimentar aquilo que estamos tentando imitar; podemos apenas encontrar alguma área dentro dos limites do ego que pareça ser a mesma coisa. O ego traduz tudo em termos do seu próprio estado de saúde, de suas qualidades intrínsecas. Experimenta um sentido de grande realização e excitação quando consegue criar um modelo desse tipo. Finalmente criou um feito tangível, uma confirmação de sua própria individualidade.

Se formos bem-sucedidos em manter a consciência que temos de nós mesmos através de técnicas espirituais, o desenvolvimento espiritual autêntico será altamente improvável. Nossos hábitos mentais se tornam tão fortes que fica difícil penetrá-los. Podemos até chegar ao desenvolvimento totalmente demoníaco da completa “Egoidade”. Embora o Senhor da Mente detenha o maior poder para subverter a espiritualidade, os outros dois Senhores podem também reger a prática espiritual. O retiro no seio da Natureza, o isolamento, a gente simples, sossegada, digna — tudo pode ser meio para nos proteger da irritação, tudo pode ser expressão do Senhor da Forma. Ou talvez a religião nos forneça uma racionalização para criarmos um ninho seguro, um lar singelo mas confortável, para conseguirmos um companheiro afável e um emprego estável e fácil.

O Senhor da Fala também se envolve com a prática espiritual. Ao seguir um caminho espiritual, podemos substituir nossas crenças anteriores por uma nova ideologia religiosa, continuando, porém, a usá-la da antiga maneira neurótica. Por mais sublimes que sejam nossas idéias, se as tomamos com excessiva seriedade e as utilizamos para manter nosso ego, ainda assim estaremos sendo governados pelo Senhor da Fala.

Se examinarmos nossos atos, quase todos concordaremos, provavelmente, em que somos governados por um ou mais dos Três Senhores. “Mas”, poderíamos perguntar, “e daí? Isto é simplesmente uma descrição da condição humana. Sim, sabemos que a tecnologia não consegue pôr-nos a salvo de guerras, crimes, doenças, insegurança econômica, trabalho laborioso, velhice e morte; tampouco nossas ideologias nos resguardam da dúvida, incerteza, confusão e desorientação; nem podem as nossas terapias proteger-nos da dissolução dos altos estados de consciência que viermos temporariamente a alcançar ou da desilusão e angústia daí decorrentes. Mas que outra coisa podemos fazer? Os Três Senhores parecem poderosos demais para serem derrubados e não sabemos com que poderíamos substituí-los.” Perturbado por essas indagações, o Buda examinou o processo pelo qual os Três Senhores governam. Investigou por que nossas mentes os seguem e se não havia um outro caminho. Descobriu que os Três Senhores nos seduzem criando um mito fundamental: o de que somos seres concretos. Todavia, o mito, em última análise, é falso, uma imensa burla, uma fraude gigantesca, a raiz do nosso sofrimento. Para fazer essa descoberta, ele precisou romper as defesas muito complexas erguidas pelos Três Senhores, com o fim de impedir que seus súditos descobrissem o engano fundamental que é a origem do poder deles. Não poderemos, de maneira alguma, livrar-nos do domínio dos Três Senhores a menos que nós, também, cortemos e atravessemos, camada por camada, as suas complexas defesas.

As defesas dos Senhores são criadas com material das nossas mentes, que eles utilizam para preservar o mito básico da solidez. A fim de enxergar por nós mesmos como este processo funciona, precisamos examinar nossa própria experiência. “Mas como,” podemos perguntar, “haveremos de conduzir este exame? Que método ou instrumento vamos usar?” O método descoberto pelo Buda foi a meditação. Ele verificou que lutar para encontrar respostas não surtia efeito. Só quando havia brechas na sua luta é que lhe acudiam discernimentos. Começou a dar-se conta de que existia dentro de si uma qualidade sadia e desperta que só se manifestava na ausência de luta. Por isso, a prática da meditação implica “deixar ser”.


Tem havido uma série de idéias errôneas acerca da meditação. Algumas pessoas a consideram um estado mental semelhante a um transe. Outras pensam nela em termos de treinamento, no sentido de ginástica mental. A meditação, contudo, não é nenhuma dessas coisas, embora lide com estados mentais neuróticos. Não é difícil nem impossível lidar com tais estados. Eles têm energia, pressa e um certo padrão. A prática da meditação implica deixar ser — uma tentativa de acompanhar o padrão, uma tentativa de acompanhar a energia e a velocidade. Dessa forma, aprendemos como lidar com esses fatores, como relacionar-nos com eles, não no sentido de fazê-los amadurecer como gostaríamos, mas no sentido de conhecê-los como são e de trabalhar com o seu padrão.”

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Preguiça






"A preguiça interrompe o progresso de nossa prática espiritual. Podemos ser ludibriados por três formas de preguiça: a que se manifesta como indolência, que é o desejo de adiar; a que se manifesta como sentimento de inferioridade, que é duvidar da própria capacidade; e a que se manifesta com a adoção de atitudes negativas, que é dedicar um esforço excessivo àquilo que não é virtude."

(Sua Santidade, o Dalai Lama - Palavras de Sabedoria)

AVISO

Em observância à recomendação do Decreto Distrital, as atividades do Zen Brasília serão temporariamente suspensas, inclusive a Jornada de Z...