sexta-feira, 30 de maio de 2014

As Ervas Daninhas da Mente


foto:Adore Noir Magazine


“Você deve ser grato às ervas daninhas que crescem em sua mente, porque elas afinal vão enriquecer sua prática.”

Não creio que lhe agrade quando o despertador toca pela manhã e você tem que se levantar. Não é fácil sair da cama e ir se sentar para meditar. E mesmo depois de chegar ao zendô e começar o zazen, você tem que encorajar a si próprio para se sentar corretamente. Isto são apenas ondas da sua mente. No zazen puro não deve haver nenhuma onda em sua mente. Contudo, à medida que você permanece sentado, essas ondas se tornam cada vez menores e seu esforço se transforma em sentimento sutil.

Costuma-se dizer que “arrancando ervas daninhas alimentamos as plantas”. Nós arrancamos as ervas daninhas e as enterramos junto às plantas para nutri-las. Portanto, mesmo que você tenha dificuldade em sua prática, mesmo que haja algumas ondas enquanto sentado, essas mesmas ondas servirão para ajudá-lo. Assim, não deve aborrecer-se por causa de sua mente. Ao contrário, fique grato às ervas daninhas porque elas vão, afinal, enriquecer sua prática. Se você tiver alguma experiência de como as ervas daninhas se transformam em alimento mental, sua prática fará progressos notáveis. Você vai sentir o progresso. Sentirá como é que elas se transformam em auto-alimentação. Claro que não é difícil fazer interpretações filosóficas ou psicológicas acerca de nossa prática, mas isso não basta. O que precisamos é ter a experiência prática de como as nossas ervas daninhas se transformam em alimento.

A rigor, nenhum esforço que façamos beneficia nossa prática, porque ele cria ondas em nossa mente. Contudo, é impossível obter completa serenidade mental sem algum tipo de esforço. Temos que nos esforçar, mas temos que esquecer-se de nós no esforço que fazemos. Nesse âmbito não existe objetividade nem subjetividade. Nossa mente está simplesmente calma, sem termos consciência disso. Nessa ausência de consciência, qualquer esforço, idéia ou pensamento se dissipa. Portanto, é necessário encorajar a nós mesmos e esforçar-nos até o último momento, quando todo esforço desaparece. Você deve pôr sua mente na respiração até deixar de estar consciente da própria respiração.

Devemos persistir em nosso esforço sempre, mas nem por isso almejar atingir algum estágio onde nos esqueçamos dele. Devemos apenas tentar manter nossa mente na respiração. Essa é a nossa verdadeira prática. À medida que você praticar, esse esforço se tornará mais e mais refinado. No início, o esforço resultará um grosseiro e impuro, mas, pelo poder da prática, tornar-se-á cada vez mais puro. Quando seu esforço se torna puro, seu corpo e sua mente se tornam puros. É essa a forma como praticamos o Zen. Uma vez que você compreender o poder inato que temos de purificar a nós mesmos e aquilo que nos circunda, você poderá agir apropriadamente, aprenderá com todos os que o rodeiam e será amável com os outros. Esse é o mérito da prática do Zen. E o caminho da prática é apenas concentrar-se na respiração. Com postura correta e com grande e puro esforço. É assim que praticamos o Zen.

(Shunryu Suzuki - Mente Zen, Mente de Principiante)


quarta-feira, 28 de maio de 2014


 Uma monja foi visitar a mestra do mosteiro.

A mestra olhou diretamente para ela e disse: 
rio Tapajós - Araquém Alcântara

"Por que você trouxe toda esta multidão com você?". 

A monja que estava sozinha, olhou para trás. 

A mestra disse: "Não olhe para trás, olhe para dentro."

(Palavras do Darma - Monja Coen)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Aprecie


Não ter nada do que se arrepender



“Milarepa disse: “Minha religião é não ter nada do que se arrepender quando morrer”. Mas a maioria das pessoas não dá nenhuma importância a essa maneira de pensar. Fingimos ser muito calmos e controlados, cheios de palavras doces, para que as pessoas comuns — que não conhecem nossos pensamentos — digam: “Esse é um verdadeiro bodisatva”. Mas é apenas nosso comportamento externo que elas vêem.

A coisa importante a fazer é não realizar qualquer coisa que possamos nos arrepender depois. Portanto, precisamos nos examinar honestamente.

Infelizmente, nosso apego ao ego é tão grosseiro que, mesmo se tivermos sim alguma pequena qualidade, pensamos que somos maravilhosos. Por outro lado, se temos algum grande defeito, nem mesmo percebemos. Há um ditado que diz: “No pico do orgulho, a água das boas qualidades não permanece”.

Então, devemos ser muito meticulosos. Se, após examinarmos completamente a nós mesmos, pudermos colocar as mãos no coração e honestamente pensar: “Minhas ações estão todas corretas”, então isso é um sinal de que estamos ganhando alguma experiência no treinamento da mente.

Devemos então ficar contentes que nossa prática tem ido bem e nos determinar a fazer ainda melhor no futuro, assim como fizeram os bodisatvas de outros tempos. Com todos os meios devemos gerar antídotos cada vez mais, agindo de modo a estar em paz conosco.




Trecho do livro “Enlightened Courage”, cap. 5, do grande mestre do budismo tibetano Dilgo Khyentse Rinpoche (Tibete, 1910 – Butão, 1991).Tradução de Flavio Shunya.



sábado, 24 de maio de 2014

Ascensão da montanha


Foto FB

"No Zen nós temos o treinamento da ascensão da montanha e o treinamento da descida da montanha. O treinamento da subida da montanha é a viagem da luta para a ascensão, deixando o mundo para trás. À medida que sobe você lida com o constante diálogo interno, trabalha com a dor e o sofrimento que passa a reconhecer como vindo de si mesmo(a).

As ferramentas que ajudam a alcançar o pico da montanha são a respiração, os koans (o koan é uma narrativa, diálogo, questão ou afirmação no Zen Budismo que tem por fim revelar a Verdade) e os preceitos.

Então você chega ao grande topo místico, você conquistou a realização. Mas a realização não é muito útil no pico da montanha e, assim, o treinamento prossegue com a descida da montanha, com o retorno ao mundo. É lá que começamos a ver como a base absoluta da realidade influencia a nossa atividade diária. Descer a montanha é, sem dúvida, o aspecto mais longo da nossa prática - muito mais difícil do que perceber a natureza do universo, a natureza do eu. Uma coisa é ter um vislumbre (insight) e outra completamente diferente é realizá-lo em tudo que fazemos.

Realização é compaixão, a atividade da sabedoria no mundo."

(John Daido Loori Roshi)

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Matéria sobre a importância do silêncio

foto do FB

- Qual o significado do silêncio para o budismo? O que o silêncio representa na vida de um monge?

- Qual a experiência mais profunda que a srª. já teve com o silêncio?

- O que o silêncio pode nos revelar, quando o adotamos como experiência?

- Por que o silêncio é tão raro hoje em dia?

- De uma maneira geral, as pessoas ignoram no mundo de hoje a importância do silêncio?

Por que? Qual a consequência disso?lencioso, certo? Por que é tão difícil?

- É possível para pessoas que vivem em meio a uma cidade barulhenta encontrar o silêncio em seu dia a dia, de alguma forma?
Você viu um filme chamado "O Grande Silêncio?" filmado numa abadia de monges na França - La Chartreuse?
Nessa ordem religiosa os monges só falam nas liturgias e alguns momentos semanais. O diretor esperou 16 anos para ser autorizado a filmar.

Foi apenas ele e seu equipamento. O filme é belíssimo e silenciosos. Os sons são os sons de passos, de objetos, os sons do dia a dia. Sem música ambiente, sem música de fundo. Depois do filme nossa audição fica aprimorada. Talvez essa a força maior do silêncio: ouvir melhor.

Eduardo


Abaixo algumas reflexões minhas a partir de suas perguntas sobre o Silêncio:

1. Há cerca de dois mil e seiscentos anos, uma grande assembléia se reuniu para ouvir os ensinamentos de Xaquiamuni Buda.

Ele trouxe uma flor em sua mão. Olhou para todos na Assembléia, piscou os olhos e sorriu. Não pronunciou uma única palavra.

As pessoas se entreolharam surpresas. Qual o significado desse sermão silencioso? Apenas uma, entre todas as inúmeras pessoas presentes,o compreendeu, piscou os olhos e sorriu de volta. Era Makakasho, o primeiro discípulo de Buda a receber a transmissão do Darma, a confirmação de que ele era um de seus sucessores diretos, que o compreendia em grande intimidade. Em silêncio e no silêncio os ensinamentos (Darma) assim foram passados de uma pessoa a outra, pela primeira vez. Buda então disse: "Eu possuo a maravilhosa mente de Nirvana (paz, tranqüilidade  sábia) e a visão que preserva o tesouro dos verdadeiros ensinamentos. Agora, os transmito a você, Makakasho."

2. Certa feita, Xaquiamuni Buda estava sentado em meditação numa floresta da Índia antiga. Buda e mais de algumas centenas de discípulos.

Um senhor, que queria muito falar com Buda, vindo de longe e recebera a informação de que Buda estava nessa floresta. O homem foi adentrando.

Não se ouvia nenhum ruído humano. Será que estariam brincando com ele? Onde estaria Buda e seus inúmeros discípulos? Estava quase desistindo quando, ao dar mais alguns passos, se surpreendeu ao ver uma multidão de pessoas sentadas com a postura ereta, em profundo silêncio. Zazen, meditação só é possível no silêncio.

3. Houve um peregrino que, descontente com o que ouvira sobre os ensinamentos de Buda, resolveu questioná-lo publicamente:
"Se os seus ensinamentos são da lei da causalidade, de que tudo que existe está conectado a tudo o mais e que há causas e condições para que algo se manifeste ou deixe de se manifestar, então, me responda agora, qual a causa primeira?

E Buda silenciou.

Sobre esse silêncio de Buda já se escreveram inúmeras teses explicativas. Mas, Buda apenas silenciou.

Esses três episódios acima são de alguns dos momentos importantes do silêncio dentro dos ensinamentos de Buda:
O silêncio da grande intimidade, do compreender profundo, da transmissão dos ensinamentos.
O silêncio da meditação, do zazen, do aquietar corpo-mente e transcender corpo-mente, penetrando a unidade absoluta, o samadhi dos samadhis.
O silêncio da não dualidade, da integridade. O silêncio da não discussão. O silêncio do silêncio.

Quando silenciamos podemos ouvir melhor.
Quando silenciamos podemos sentir melhor.
Quando silenciamos nos permitimos banhar por todos os sons e por todas as formas.

Mais difícil do que o silêncio da boca, das palavras, dos sons emitidos é o silêncio interno, o silêncio da mente.

Apenas quando a mente silencia podemos entrar em contato com a essência do Ser.

Mas temos por hábito falar e comentar, nos entreter com sons e imagens, fugindo do encontro profundo com a realidade.

Criamos realidades falsas sobre a realidade verdadeira. Queremos acreditar em nossas fantasias e nos incomoda o sil6encio que permite penetrar no real e cancelar o falso. São armadilhas da mente humana. Buda dizia que "a mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e assaltantes vingadores." Por isso é necessário conhecê-la. Conhecer a própria mente. Para isso há o caminho do silêncio. O caminho de aquietar as oscilações mentais.

Estamos muito acostumadas ao entretenimento. Mantendo a televisão, rádio, computador, face-book, celulares ligados o tempo todo.

A mente está ligada o tempo todo, sim, mas entre pensamentos há espaços vazios e não estamos acostumadas a observar esse vazio.

Ao entrar em uma sala, observamos os móveis, as pessoas, janelas, cortinas. Raramente percebemos os espaços vazios, os espaços entre as pessoas, entre os móveis. Os espaços entre as falas, os espaços entre os pensamentos. As pausas na música fazem a música melhor. Há pausas em nossas conversas. Podemos dar importância a essas pausas, a esses espaços vazios, ao silêncio. Sem ele não há musica, não há pensamentos, não há nem mesmo o nada.

O silêncio e o som são como uma caixa e sua tampa. O excesso de informações, de estímulos, nos faz esquecer-se da pausa, da doçura do silenciar, do aquietar.

Desaprendemos a estar com alguém em silêncio. Sentir a presença de alguém sem precisar conversar, falar, comentar a realidade. Apenas estar presente.

Presença absoluta, sem nada extra, sem nada faltando.

Essa a experiência do silêncio que mais me fascina.

Uma vez, estava no aeroporto de Saporo, no norte do Japão, com meu mestre de transmissão, Yogo Suigan Roshi. Um aeroporto de grande movimento.

Seus outros discípulos estavam estacionando o carro e cuidando de suas bagagens. Ficamos parados nas proximidades da entrada do aeroporto, em silêncio. Foi intenso perceber o quanto este monge antigo era sábio. Estava apenas presente em cada momento. Sem pressa, sem ansiedade, sem nada especial para comentar ou falar "para passar o tempo". Ele era o tempo. Ele era o momento. E aprendi com ele a estar presente no presente momento.

Mais do que muitas palavras, a força da quietude interna não precisa alardear sua sabedoria ou compreensão.

Podemos estar em grande intimidade, sem nada dizer.

Talvez as experiências mais profundas sejam silenciosas - quer de alegria, quer de tristeza.

Na cidade de São Paulo há muitos pássaros e seus trinados nos alegram. Mas, ao final do dia, eles se recolhem e surgem os sons da noite.

Temos de aprender a nos recolher em nós mesmos e reaprender a ouvir o grande silêncio.

Sem apego e sem aversões, ouvir o silêncio e apreciar a vida.


Mãos em prece

Monja Coen



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Relaxe

Foto: Araquém Alcântara


“Soltar, diminuir o ritmo e parar não são apenas essenciais para chegar à iluminação, mas também cruciais para sobrevivermos na vida cotidiana. O estresse, que é causado por não saber como não fazer nada, é a mais essencial arma de destruição em massa. Tantas doenças, mentais e físicas, são causadas por estresse. Há três séculos e meio, o filósofo francês Blaise Pascal reconheceu isso quando disse, “Todos os problemas do homem vem de não saber sentar e parar”.

Em uma parte do tempo não há nada a fazer. Mesmo assim nessas horas você é incapaz de não fazer nada. Você esqueceu como é isso. Por isso você se debate inutilmente. Se você fosse sábio, quando não houvesse nada para fazer então você não faria nada! Faz tanto sentido.

Todos nós precisamos aprender a não fazer nada para que nas horas certas possamos descansar e relaxar. Felizmente, para aqueles que não tem a oportunidade de ir aos mosteiros, professores estão disponíveis em bom número na maioria das cidades modernas. Eles podem ser encontrados nos grandes cruzamentos. Eles são os semáforos. Quando a luz vermelha aparecer, ela diz “Pare!”. Essa é a prática de soltar. Você já aprendeu a não fazer nada quando o sinal fica vermelho? Ou somente o carro para enquanto você continua correndo? Se é assim, então uma oportunidade está sendo perdida. No sinal vermelho, você pode abrir sua mente ao presente e permitir a paz e a beleza inesperadas aparecerem ao seu redor. Já ouvi, mas ainda não vi, que na capital da espiritual Índia, Nova Delhi, quando o sinal vermelho se ativa aparecem cinco letras, r, e, l, a, x: relax (relaxe). Não são sinais de pare, são sinais de relaxe. Que ótima idéia. Se não é verdade, deveria ser!

Se você não reservar um tempo para aprender a não fazer nada, se você não é capaz de relaxar num sinal vermelho da vida, então brevemente você será forçado a parar num túmulo precoce. Como diz aquele ditado antigo, “A morte é o jeito da natureza forçá-lo a diminuir o ritmo”. Recomendo a meditação no lugar da morte prematura.”

~ Ajahn Brahm, em “Mindfulness, Bliss, and Beyond: A Meditator’s Handbook”


terça-feira, 20 de maio de 2014

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Uma entrega

foto: Araquém Alcântara


Quem praticar o Zazen pensando que precisa parar a mente ou esvaziá-la ainda não entendeu.


A cessação é das oscilações da mente.


A mente é incessante e luminosa.
Zazen é penetrar a mente, compreender nossos processos físicos e mentais, penetrar a mente silenciosa e tranquila. Entretanto, se corrermos atrás dessa mente silenciosa, ela ficará barulhenta.


Para atingir o estado de tranquilidade, temos que permitir que a tranquilidade se manifeste.


É uma entrega


(Monja Coen - Palavras do Darma)

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Para que nos serve a dor?

Há uma pergunta que, em silêncio ou em voz alta, costumamos formular-nos várias vezes ao dia, muitas, muitas vezes na vida. Por que os homens sofrem? Por que existe a dor?
Esta questão aponta para uma realidade que não podemos escapar. Todo mundo sofre, por uma razão ou outra, todos sangram em seu coração e tentam em vão agarrar uma felicidade concebida como uma sucessão ininterrupta de prazeres e satisfações.

Vem à mente uma parábola do budismo, que sempre me impressionou, aparece nos livros sob o nome "O grão de Mostarda". E, em síntese, reflete a dor de uma mãe que perdeu seu filho, mas que, no entanto, confia que ele vai voltar à vida graças às artes mágicas de Buda. Este não desencoraja a mãe, só lhe pede que para ressuscitar seu filho lhe traga um grão de mostarda encontrado em um lar onde não se conheça a desgraça... O final da parábola é óbvio: o grão de mostarda, esse grão tão especial, jamais aparecerá, e a dor da mãe será atenuada, em parte, ao comprovar quantos e quão grandes são também os sofrimentos de todos os demais seres humanos.

Mas o fato de que todos os homens sofrem não remove nem explica a realidade do sofrimento. E voltamos a perguntar, por quê?

Velhos ensinamentos, mais velhos ainda que a citada parábola, nos ajudam a penetrar no intrincado labirinto da dor.

Em geral, somos informados que o sofrimento é o resultado da ignorância. Então, somamos dor após dor, ou seja, aos fatos dolorosos em si, adicionamos o desconhecimento das causas que levaram a esses acontecimentos: não somos capazes de chegar à raiz das coisas para descobrir a fonte profunda daquilo que nos preocupa; simplesmente ficamos na superfície da dor, ali onde mais se sente e ali onde mais se manifesta a incapacidade para sair da armadilha. Não sabemos a causa do que acontece conosco, e nos ignoramos a nós mesmos, somando uma dupla incapacidade de ação positiva.

Também desconhecemos outras leis fundamentais da Natureza, e mais uma vez, por ignorância, aumentamos a nossa dor. Deveríamos saber que nenhuma dor é eterna, que nenhuma dor se mantém ante o ataque de uma vontade construtiva. Nada, nem dor, nem felicidade pode durar para sempre, no mesmo estado. Temos que aprender, então, a brincar com o tempo para encontrar uma das possíveis saídas do labirinto.

A dor do futuro não tem lugar no presente, pois é um sofrimento desnecessário, antes do tempo e, talvez, sem razão de ser. É verdade que, no presente já preparamos o futuro, mas também é verdade que o medo do futuro é a semente de futuros males, enquanto que a vontade firme e positiva dá lugar a circunstâncias mais favoráveis que também podem tomar forma no presente.

Sofrer pelas coisas passadas é como tentar manter o cadáver de um ser querido em nossa casa, repetindo-nos constantemente que não morreu, voltando mil vezes os olhos à irrealidade de um corpo que não existe e ignorando a outra realidade espiritual que sim, existe.
Tanto que a dor do presente é apenas uma pontada que logo mergulha no passado para dar lugar ao futuro.

Por isso dizia um sábio que os homens são capazes de sofrer três vezes pela mesma coisa: à espera de acontecer, enquanto acontece e depois que aconteceu. Isso reforça a tese da “ignorância como mãe de todas as dores”.

Para os orientais seguindo a tônica da parábola budista, “A DOR É VEÍCULO DE CONSCIÊNCIA”, o que equivale a dizer que todo o sofrimento encerra um ensinamento necessário para nossa evolução.

A dor é o que nos obriga a parar e perguntar-nos sobre as coisas. Sem a dor, nunca diríamos, como tantas vezes fazemos: “por que eu?”, para avisar seguidamente que não é “a mim” somente... Sem a dor, não nos proporíamos perguntar pelas leis ocultas que movem todas as coisas, acontecimentos e pessoas.

Por pouco que voltemos os olhos, encontraremos sofrimento: sofre a semente que se desfaz para dar lugar à árvore, sofre o gelo que se derrete com o calor e a água que endurece com o frio, e sofre o homem que para evoluir tem que romper as peles velhas de sua prisão de matéria.

Mas por trás de todo esse sofrimento se esconde uma felicidade desconhecida: a plenitude da semente, da água, da alma Humana que descobrem no meio das trevas, a luz segura de seu próprio Destino.

Délia Steinberg Guzmán
(do livro do “Herói cotidiano” – Reflexões de um filósofo)

terça-feira, 13 de maio de 2014

"Este corpo não sou eu.
Eu não sou limitado por este órgão.
Eu sou a vida sem limites.
Eu nunca nasci,
e eu nunca morri.

Olhe para o mar e o céu cheio de estrelas,
manifestações de minha mente, verdade maravilhosa.

Desde antes dos tempos, eu sou livre.
O nascimento e a morte são apenas portas pelas quais passamos, limiares sagrados no nosso caminho.

Nascimento e morte são um jogo de esconde-esconde.

Então ria comigo,
segure a minha mão,
vamos dizer adeus,
despedir-se, reunir-se novamente em breve.

Nós nos encontramos hoje.
Nós vamos nos encontrar novamente amanhã.
Nós vamos nos encontrar na fonte a cada momento.
Nós nos encontramos uns aos outros em todas as formas de vida."
~

Thich Nhat Hanh


domingo, 4 de maio de 2014

Respirar

Temos que aprender a viver a nossa vida como um ser humano, profundamente. Precisamos viver cada respiração profunda, para que possamos ter paz, alegria e liberdade como nós respiramos. 

Thich Nhat Hanh




quinta-feira, 1 de maio de 2014

Dia do Trabalho



Mãos em prece
“No Dia do Trabalho, eu me retiro. Para ouvir as vozes internas, que também são externas”
No Dia do Trabalho eu me retiro.
Retirar é meu trabalho.
Meditar e silenciar para poder ouvir.
Não ouvir apenas os gritos das manifestações.
Ouvir os sons e os silêncios do mundo.
Ouvir para entender.
A base do diálogo, não da discussão.
Há um ser iluminado no budismo que vê os lamentos do mundo. Não ouve, vê.

Podemos ver os lamentos e atender às verdadeiras necessidades? Sabemos quais as nossas verdadeiras necessidades? Será que devemos confiar em nossas percepções?
Até mesmo as percepções podem nos enganar.
A mente alerta, a mente desperta, vê em profundidade, analisa, questiona a si mesma.

“Estudar o Caminho de Buda é estudar o Eu. Estudar o Eu é transcender o eu. Transcender o eu é ser iluminada por tudo que existe. Nenhum traço de iluminação permanece.” (Mestre Dogen, século XIII Japão)
Estudar o Eu no qual todos e todas estão incluídos. Estudar, apreender, conhecer, reconhecer a realidade com sua múltiplas faces. Todas a minha face.

Ver os lamentos do mundo, sem se lamentar.
Manifestar-se sem ferir e sem ser ferida.
Agir no mundo e não só reagir, sem pensar.
Adequação. Discernimento correto.
Compreender o que somos, quem somos — tanto como pessoas como quanto sociedades.
Intersomos. Uma nova palavra para uma nova era.
Transcender o mundo, sendo o mundo.

Somos a vida da Terra. Não viemos de fora e não iremos para fora. Estamos interligados, interconectadas a tudo e a todos. Cada partícula contem o todo. Não somos parte do todo. Cada um, cada uma de nós é o todo manifesto.
Apreciemos.

Uma rede infinita de raios luminosos se intercruza, se interpenetra, numa trama ensurdecedoramente brilhante. Em cada intersecção há uma joia refletindo todas as direções — esta é uma descrição de textos clássicos budistas sobre o que hoje chamamos de pluriverso. Já não é mais Universo. Isso somos nós.

Acordar, despertar para a transitoriedade, a impermanência e a interdependência é o Caminho Iluminado.

No Dia do Trabalho, eu me retiro. Para ouvir as vozes internas, que também são externas.

Procuro entender as manifestações do ser e do não ser. No silêncio da mente há paz, tranquilidade. Não a paz dos tolos, que se calam por não saber. Procuro a paz dos sábios e das sábias.
Que atuam com dignidade e respeito à vida construindo a ética desta era informatizada.

Cadeirante por algumas semanas, percebo o mundo sob outro prisma. As pessoas têm cinturas e pernas. Crianças têm faces. No aeroporto a empresa de aviação me empresta uma cadeira de rodas e a jovem me coloca num corredor de espera. Lá estamos nós, cadeirantes, deficientes, idosos e idosas. Aguardamos para que alguém nos leve ao avião. No primeiro voo, quase o perdi. A jovem foi levar outra cadeirante e não voltou. Fui a última a entrar, porque tive a capacidade de mover as rodas da cadeira e ir ao balcão avisar que precisava embarcar. Poderia ter ficado esquecida ali, naquele corredor. Presa ao meu pé quebrado e a uma estrutura que desconhece como melhor atender a pessoa com deficiência.

Estamos todos aprendendo. Aprendendo a nos reconhecer semelhantes, mas não iguais. E quando entendermos que o absoluto e o relativo funcionam como uma caixa e a sua tampa, poderemos, talvez, terminar com as guerras, a fome e a miséria. (Monja Coen)



Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/sociedade/maos-em-prece-12349830#ixzz30TeFdbas
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Em observância à recomendação do Decreto Distrital, as atividades do Zen Brasília serão temporariamente suspensas, inclusive a Jornada de Z...