domingo, 17 de maio de 2015

Repetição

Se você perde o espírito de repetição, sua prática se torna bastante difícil.


Oficina de pão no Vila Zen - na foto Diego Haupenthal Hoan

O pensamento e a prática da Índia, com os quais o Buda se defrontou, estavam baseados na ideia de que os seres humanos são uma combinação de elementos físicos e espirituais. Achava-se que o lado físico do homem limita o espiritual; por isso, na prática religiosa os indianos procuravam enfraquecer o elemento físico para libertar e fortalecer o espírito. Assim, a prática encontrada pelo Buda na Índia dava ênfase ao ascetismo. Mas, enquanto praticava o ascetismo, o Buda descobriu que não havia limites para a purificação física e que isso tornava a prática religiosa muito pouco realista. Esse tipo de conflito com nosso corpo só termina quando morremos. De acordo com o pensamento indiano, no entanto, nós retornamos em outra vida e em mais outra e outra, repetindo a luta mais e mais vezes, sem nunca alcançar a iluminação perfeita. E ainda que você pense ser possível debilitar a força física o bastante para libertar o poder espiritual, isso só funcionaria enquanto continuasse a praticar o ascetismo. Pois, se você retomada sua vida costumeira, terá que fortalecer seu corpo, mas depois enfraquecê-lo novamente de modo a recuperar seu poder espiritual. E, assim, teria que repetir esse processo indefinidamente. Esta pode ser uma simplificação exagerada a respeito da prática indiana com a qual deparou o Buda, e pode chegar a nos causar riso; contudo, há pessoas que realizam esse tipo de prática até hoje. Às vezes, essa ideia de ascetismo continua enraizada na mente da pessoa sem que ela se aperceba disso. Mas essa forma de prática não resulta em nenhum progresso.

O caminho do Buda foi completamente diferente. No início, ele estudou o método hindu vigente em sua época e região e praticou o ascetismo. Mas o Buda não estava interessado nos elementos que constituíam o ser humano, nem tampouco nas teorias metafísicas da existência. O que, sim, o interessava era saber como ele próprio existia naquele exato momento. Essa era a questão. O pão é feito de farinha. A coisa mais importante para o Buda era saber como a farinha vira pão ao ser colocada no forno. Seu maior interesse era saber como podemos nos tornar iluminados. A pessoa iluminada é alguém perfeito, cuja conduta é desejável tanto para si mesma como para os outros. O Buda queria descobrir como os seres humanos desenvolvem esse estado ideal - como os sábios do passado tinham se tornado sábios. Para descobrir com a massa se transforma em pão perfeito, ele fez o pão repetidas vezes até que obteve êxito.

Talvez se possa achar pouco interessante cozinhar repetidas vezes a mesma coisa, dia após dia. Pode parecer tedioso. De fato, se você perde o espírito de repetição, sua prática se torna bastante difícil, mas não será difícil se você estiver cheio de força e vitalidade. De qualquer modo, não há como ficar inativo; é necessário fazer alguma coisa. Portanto, quando fizer alguma coisa, seja atento, cuidadoso e alerta. Nosso caminho é colocar a massa no forno e observá-la com cuidado. Uma vez que você souber como a massa se transforma em pão, você entenderá a iluminação. Nosso maior interesse, portanto, é saber como este corpo físico se transforma num sábio. Não nos preocupa saber o que a farinha e a massa são, ou o que é um sábio. Um sábio é um sábio. Explicações metafísicas sobre a natureza humana não são a questão.

A verdadeira prática consiste em repetir sem cessar até descobrir como se tornar pão. Não há segredo em nosso caminho. Apenas praticar zazen e colocar-nos no forno é nosso caminho.


(Mente Zen, mente de principiante - Shunryu Suzuki)

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