Foto: Luis Julgmann Girafa |
Budas só podem entender suas vidas levando sua prática
com um profundo sentimento de compromisso.
Escrevi essa frase em dois segundos. É tão fácil escrever,
ler, compartilhar, mas o que significa realmente? Compromisso
como budistas? Como se compromete um Buda? A resposta é
tão simples quanto complexa: um Buda se compromete com
tudo, com todo o seu corpo, com toda a sua mente, em cada
momento de sua vida. Viram? Achavam que ia ser fácil, que
compromisso é só ler umas frases bonitas, repeti-las, copiá-las?
Decorar frases que achamos interessantes? E o mais comum
dos nossos compromissos: falar e falar e falar até o cansaço de
quão comprometidos estamos com… nossas ilusões?
Nos comprometemos, às vezes fazendo muito barulho, com
o que achamos que são as grandes causas. E esquecemos que
não há nada grande nem pequeno. O comprometimento está
no dia a dia, nas coisas “pequenas”, cotidianas, ordinárias, essas
que ninguém vê ou que ninguém quer ver.
A vida, o nosso maior compromisso, está além das discriminações.
A vida, essa energia maravilhosa, que só por breves momentos
estamos compartilhando, usufruindo, não escolhe. Não. A vida
é intensa, imensa, maravilhosa, com todos, com tudo.
E por que estou falando tanto em vida? O que tem a ver a
vida com o título do artigo? Para mim, monja
zen-budista, a palavra, a intenção, o pensamento de compromisso
devem estar presentes em cada momento de nossa vida.
Não é moda, não é política, não é empolgação. É muito mais
simples e, ao mesmo tempo, muito mais complexo que qualquer
teoria já escrita.
O compromisso para nós, budistas, deve estar presente
em cada uma de nossas palavras, pensamentos,
atitudes e até em nossos silêncios. O comprometimento
budista não é apenas dito. É feito, sem barulho, com
intensidade, com a firme convicção de que essa ação é
a coisa mais importante na nossa vida. E é mesmo.
Vocês acham que estar comprometido é aparecer
na TV oferecendo mundos e fundos para mudar
tudo? Pensamos que isso, sim, é o importante. Coisas
grandiosas, mudar o mundo a partir de fora… não
funciona. Comprometer-se da boca para fora – sem
a mudança interior, sem a mudança no olhar, sem
a mudança no pensar – é fácil e não leva a lugar
nenhum. Compromisso, comprometimento começa
num lugar tão óbvio quanto difícil de atingir: em nós
mesmos. Esqueça de se comprometer com o mundo,
esqueça de querer mudar o mundo, esqueça tudo.
Mantenha apenas o seu mais firme, íntimo, urgente
propósito de se comprometer com você mesmo. Isso
significa o quê? Estamos em um templo budista, você
está lendo um artigo escrito em um jornal budista,
então com o que se compromete? Com a nossa prática,
que é sutil, cotidiana. Com a nossa prática budista,
na qual não existem milagres, só existe este pequeno
momento, nada mais. Comprometimento com assistir,
com escutar, com estar presente, não só fisicamente,
mas com toda a sua mente, com todo o seu ser
em qualquer lugar onde estiver. Não esqueça que o
budismo é uma religião engajada com a vida, é vida.
Não há um momento especial para se comprometer, para estar
presente. Nosso comprometimento é com o despertar para a
vida. Para que vamos despertar? Para entender que nós somos
essa vida e que temos muito pouco tempo para poder estar
“comprometidos” com ela.
Comprometimento é entender que tudo tem a ver conosco.
Não posso ser inocente, não posso dizer: isso não tem nada
a ver comigo. É ser monitor, por exemplo, e não chegar cinco
minutos antes, só para sentar na cadeira da entrada, com o
nosso melhor sorriso (ainda bem), receber as pessoas, falar,
falar e falar e depois cair fora.
Isso não é comprometimento. Nós preparamos o nosso
lugar de prática para acolher as pessoas: olhando os banheiros,
limpando, varrendo, arrumando. Nos comprometemos com
cada momento do processo do qual estamos participando. Por
quê? Porque somos esse processo. E nos comprometemos a
ser, a estar presentes em cada instante. Falar menos, ser mais.
Entender que, de tanto querer entender, nos anulamos. De
tanto pensar, não somos. De tanto desejar, não fazemos.
Com o coração alegre, assumamos o compromisso de ser o
que sempre fomos: Budas. Nesse estado Buda, perfeito, onde
nada sobra, nada falta, vamos fluir com a vida, sem um eu, sem
compromisso, sem nada.
(Monja Zentchu Sensei)
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