domingo, 28 de setembro de 2014
sexta-feira, 26 de setembro de 2014
Regras da Ordem Zen Fazedor de Paz
Foto: Lou Gaioto |
Eu me comprometo aos Três Tesouros:
Unidade, a natureza desperta de todos os seres
Diversidade, o oceano de sabedoria e compaixão
Harmonia, a interdependência de tudo que existe.
Eu me comprometo às Três Máximas:
Não saber, abandonando idéias fixas sobre eu mesma e o universo.
Testemunhar à alegria e sofrimento do mundo.
Agir amorosamente.
Eu me comprometo aos seguintes Dez Preceitos:
Reconhecer que não estou separada de tudo que existe. Este é o Preceito de Não Matar.
Ficar satisfeita com o que tenho. Este é o Preceito de Não Roubar.
Encontrar todas as criações com respeito e dignidade. Este é o Preceito de Conduta Casta.
Ouvir e falar do coração. Este é o Preceito de Não Mentir.
Cultivar a mente que vê com clareza. Este é o Preceito de Não Ser Deludida.
Incondicionalmente aceitar o que cada momento tem a oferecer.
Este é o Preceito de Não Falar sobre Erros e Faltas alheios.
Falar o que percebo ser a verdade sem culpa ou culpar. Este é o Preceito de Não se Elevar e Rebaixar os outros. (Não se rebaixar e elevar os outros e não se igualar).
Usar todos os ingredientes de minha vida. Este é o Preceito de Não ser Avarenta.
Transformar sofrimento em sabedoria. Este é o Preceito de Não ser Controlada pela Raiva.
Honrar minha vida como um instrumento de fazer a paz. Este é o Preceito de Não Pensar Mal dos Três Tesouros.
Também faço os seguintes Quatro Comprometimentos:
Eu me comprometo a:
Uma cultura de não violência e reverência à vida.
Uma cultura de solidariedade e ordem econômica justa.
Uma cultura de tolerância e a vida baseada na verdade.
Uma cultura de direitos iguais e companheirismo entre homens e mulheres.
(Zen Peacemaker)
quarta-feira, 24 de setembro de 2014
Inter-existência
Foto: Alice Kohler |
Se você é poeta, vê claramente uma nuvem em um papel em branco. Se não existir a nuvem, a chuva não cai. Se não cair a chuva, a árvore não cresce. Se não cresce a árvore, não se faz papel. Então, podemos dizer que o papel e nuvem se encontram em inter-existência. Se observarmos mais profundamente o papel, veremos nele a luz do sol. Sem a luz do sol, o mato não cresce. Ou melhor, sem ela nada no mundo cresce. Por isso, reconhecemos que a luz do sol também existe no papel em branco. O papel e a luz do sol encontram-se em inter-existência. Se continuarmos observando profundamente, veremos o lenhador que cortou a árvore posteriormente levada à marcenaria.
Veremos também o trigo no papel. Sabemos que o lenhador não pode existir sem o pão de cada dia. Por isso, o trigo, a matéria-prima do pão, também existe no papel. Pensando desta maneira, reconhecemos que um papel branco não pode existir quando faltar qualquer um destes elementos. Não posso citar nada que não esteja aqui, agora. O tempo, o espaço, a chuva, os minerais contidos no solo, a luz do sol, as nuvens, os rios, o calor... tudo está aqui, agora. Não podemos existir sozinhos.
Este papel branco é totalmente constituído de "elementos que não são papel". Se devolvermos todos os "elementos que não sejam papel" à sua origem, o papel deixará de existir. O papel não existirá se forem tirados os "elementos que não sejam papel". O papel, em sua espessura fina, contém tudo de universo. Nele, não há nada que não exista em interdependência. A inexistência de elementos independentes significa que tudo é satisfeito por tudo.
Temos que existir em inter-existência com os demais, assim como um papel que existe porque todo os demais elementos existem.
(Thich Nhat Hanh, citado em Caminho Zen)
sábado, 20 de setembro de 2014
Travessia de primavera
Foto: Ronaldo Barroso |
As eleições também se dão em casa, onde ficamos nos exibindo para ganhar os corações daqueles com quem nos relacionamos
Equinócio de equidade. Dia e noite com a mesma duração. Equidade mental — os opostos têm o mesmo valor.
Eleições na primavera — opositores se equivalem? Travessia de ir e vir, de atravessar sem que uma pessoa atravesse o caminho da outra ou mostre o avesso, o revés.
Eleições de avessos que se avessam.
Como ainda estamos distante de um ideal civilizatório de equidade e respeito!
O equinócio de setembro marca o início da primavera no Hemisfério Sul e o início do outono no Norte. É um momento em que nós, budistas, celebramos a equidade entre dia e noite, o que nos facilita a travessia do caudaloso (confuso, cheio de entulhos, lixo, poluição — algumas vezes seco, rachado, furado, fétido, outras vezes molhado, coberto, cheiroso, ardiloso com redemoinhos e pedras submersas, escondidas, que podem furar o barco) rio da vida-morte.
Atravessar o rio é simbólico de perceber que estamos na margem do sofrimento, da ignorância, envenenados pela ganância e pela raiva.
Reconhecemos essa margem? Aflições, ansiedades, medos, desgraças? Os venenos que impedem a mente de ter sensações, percepções, conexões neurais e consciência leves e claras. Como águas poluídas, a mente fica turva, confusa, capaz de improbidades para obter sucesso, ganhar votos, eleger-se.
As eleições não são apenas presidenciais, de senado, assembleias, governos estaduais. As eleições se dão em casa — pessoas lutando pelos votos das famílias. Tanto um querendo ganhar o voto do outro, como também dos filhos, dos amigos, dos vizinhos, dos avós. Incessante.
Ficamos nos exibindo, contando vantagens (ou contando desvantagens — outra forma de se vangloriar) para obter aplausos, votos, para sermos eleitos aos corações e atenções das outras pessoas com quem nos relacionamos.
Funciona no trabalho, na rua, no trânsito, no Facebook, no Twitter. Funciona tanto na terra como nos céus. Queremos os votos de confiança, respeito e apoio de Budas, Bodisatvas, Santos, Santas, Profetas, Pastores, Divindades.
Queremos o apoio dos filósofos e dos sábios, bem com dos incultos e dos tolos. Queremos até os mornos.
Nossa carência e insuficiência se revelam no insulto, no rebaixar os outros, no ataque raivoso, dedo em riste.
Que triste.
Quisera poder viver um tempo de anistia, um tempo de alegria, um tempo de paz.
Tempo de atravessar desta margem confusa e agressiva, de tanta falsidade que duvidamos da dúvida — pois ninguém mais é confiável. Nem mesmo a mídia, nem mesmo eu.
Atravessar para a margem da tranquilidade, pegar o barco seguro da verdade e da ética. Chegar lá — que é aqui. Chegar onde se chega com ternura, com respeito, com brandura, sem luta, sem nenhuma luta.
Chega-se de manso, de leve, com trabalho, perseverança. Chega-se pensando no bem maior do grande Eu. Inclusão, alimentos, escolaridade, saúde.
Sem pilhérias, sem misérias.
Aqui e acolá. No planeta, nosso corpo comum.
Sem mais guerras, sem decapitações, sem ataques, sem mutilações.
Quero ver o mundo despertar dessa dormência tola e se unir em projetos que beneficiem a todos.
Isso é travessia.
(Monja Coen - Jornal O Globo)
sexta-feira, 19 de setembro de 2014
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
Desapego
Foto: Lou Gaioto |
O maior segredo do verdadeiro sucesso, da verdadeira felicidade, é este: o homem que não pede nada em retorno, o homem perfeitamente abnegado, é o que tem maior sucesso. Isso parece um paradoxo. Nós não sabemos que cada homem abnegado quase sempre é enganado, injuriado? É verdade, mas nós também sabemos que a sua abnegação é a razão, a causa, de uma grande vitória, as bençãos do verdadeiro sucesso.
Um rio está continuamente se esvaziando no oceano, e está continuamente se enchendo novamente. Não bloqueie a sua chegada no oceano, pois, no momento em que fizer isso, colherá sofrimento e sua própria morte.
Portanto, seja desapegado. Sem dúvida, essa é a tarefa mais difícil da vida.
(Swami Vivekananda)
terça-feira, 16 de setembro de 2014
segunda-feira, 15 de setembro de 2014
Ensinamento do Buda
Foto: Ronaldo Barroso |
Os Selos do Dharma são ensinamentos característicos do Buda.
O primeiro selo é anatman, não-atman; não existe um ser ou alma imutável.
Buda é um questionador, um reformador; embora usando a linguagem da época, ele a transforma.
Ele não concorda com o sistema de castas, onde a pessoa é determinada pelo seu nascimento. Para Buda, somos o que falamos, agimos e pensamos - não a casta em que nascemos. Isto é uma grande revolução.
Não é porque você nasceu em uma situação difícil que você deva permanecer assim.
Não há nada fixo ou permanente, somos processos em transformação. Em cada encontro, nos transformamos. Cada pessoa que encontramos nos transforma.
O sofrimento surge quando "travamos", quando criamos nossas travas, nossas amarras. Assim como as criamos, também podemos desmanchá-las. Nosso ego é "danadinho", procura manter as coisas que criamos sem aceitas as mudanças.
(Monja Coen - Zen Yoga - Dois Caminhos. Uma Verdade.)
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
A escuta
foto: Ronaldo Barroso |
É através da arte de escutar que seu espírito se enche de fé e devoção e que você se torna capaz de cultivar a alegria interior e o equilíbrio da mente. A arte de escutar lhe permite alcançar sabedoria, superando toda ignorância. Então, é vantajoso dedicar-se a ela, mesmo que isto lhe custe a vida.
A arte de escutar é como uma luz que dissipa a escuridão da ignorância. Se você é capaz de manter sua mente constantemente rica através da arte de escutar, não tem o que temer. Esse tipo de riqueza jamais lhe será tomado. Essa é a maior das riquezas.
(Palavras de Sabedoria - Sua Santidade, o Dalai Lama)
segunda-feira, 8 de setembro de 2014
Você tem certeza de que está com a razão?
foto: Lou Gaioto |
Certo homem precisou se afastar de casa por um longo tempo. Antes de partir, sua mulher ficou grávida, mas ele não sabia disso. Quando voltou, a mulher dera à luz um filho. Ele desconfiava de que o menino não era seu, acreditando que ele fosse filho de um vizinho que costumava prestar serviços para a família. Ele olhava para o garoto com desconfiança e via o rosto do vizinho no rosto da criança. No entanto, um dia, seu irmão foi visitá-lo e lhe disse: “Seu filho se parece demais com você. É uma perfeita duplicata sua.” A visita do irmão foi um acontecimento feliz, porque ajudou o pai do menino a se livrar da percepção errada. No entanto, essa noção errônea dominara a vida do homem durante doze anos, fazendo com que ele sofresse profundamente, fazendo a mulher sofrer muito e maltratando o menino, que também sofreu por causa do ódio do pai.
Temos que tomar muito cuidado com o que percebemos, caso contrário certamente vamos sofrer. É bastante útil escrever a frase “Você tem certeza?” num pedaço de papel e pendurá-la na parede do seu quarto. Nas clínicas e nos hospitais, as pessoas estão começando a pendurar este aviso: “Mesmo que você tenha certeza, verifique de novo.” Trata-se de uma advertência de que, quando a doença não é detectada cedo, é muito difícil curá-la. Nós também podemos usar este aviso: “Mesmo que você tenha certeza, verifique de novo.” Somos capazes de causar sofrimento a nós mesmos, de criar um inferno para nós e para aqueles que amamos por causa das nossas percepções. Você tem certeza do que está percebendo?
Quando você ficar com raiva e sofrer, por favor, volte e examine profundamente o conteúdo e a natureza das suas percepções. Se for capaz de remover a percepção errada, a paz e a felicidade serão restabelecidas e você será capaz de voltar a amar a outra pessoa.
(Thich Nhat Hanh - Aprendendo a lidar com a raiva
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Desprezo
Por que você despreza os outros?
Talvez por ser orgulhoso?
Não importa quão realizado você seja,
Há pessoas à frente e atrás de você.
Todos a caminho,
Todos vítimas da mesma existência,
Todos com corpo, mente e espírito.
Ninguém é melhor que o outro.
Ajude os outros tantas vezes quantas foi ignorado.
Seja gentil tantas vezes quantas foi desprezado.
A jornada da humanidade é a jornada da ignorância rumo à iluminação.
Talvez por ser orgulhoso?
Não importa quão realizado você seja,
Há pessoas à frente e atrás de você.
Todos a caminho,
Todos vítimas da mesma existência,
Todos com corpo, mente e espírito.
Ninguém é melhor que o outro.
Ajude os outros tantas vezes quantas foi ignorado.
Seja gentil tantas vezes quantas foi desprezado.
Foto: João Antônio - Nosso Jardim |
A jornada da humanidade é a jornada da ignorância rumo à iluminação.
É como uma marcha sem fim de almas através da eternidade. Se você está em uma fila infinita de almas, como pode dizer que sua posição é superior à dos outros? Quando não há extremidades na fila, não importa o lugar que você ocupa. Portanto, é tolice olhar com desprezo para quem está atrás. Eles agora ocupam o lugar onde você já esteve. Em vez de orgulho, você devia sentir compaixão. Se não conseguir lembrar-se disso, pense em todas as pessoas que estão à sua frente. Você aspira ao lugar delas e deve trabalhar com mais diligência.
Sim, existe injustiça neste mundo. Mas não há necessidade de aumentá-la. Quando vir alguém menos afortunado, expresse compaixão. Quando vir alguém mais avançado, tente aprender. Qualquer outros sentimentos são supérfluos.
(Tao Meditações Diárias - Den Ming-Dao)
quarta-feira, 3 de setembro de 2014
O ritual no Zen e o cérebro
O ritual no Zen e o cérebro
Monje Denshō Quintero
Nos centros de meditação quando iniciantes leigos que nunca tiveram contacto com a prática, recebem a introdução, é frequente que alguns tenham reações de repulsa a certos detalhes da forma. Não faltam aqueles que chegam fugindo de protocolos religiosos da tradição da família, e buscam uma prática sem esse tipo de exigência, e se chocam com a etiqueta na sala de meditação.
Para muitas pessoas a palava “ritual” é associada a cerimônias arcaicas, fora do contexto de uma realidade dominada pela razão. Porém, a idéia de que podemos ter controle sobre a realidade ou de que podemos comprender tudo de maneira racional é um erro que, com frequência, leva a desilusão e consequentemente ao sofrimento. Devido ao carater impermanente da realidade, a vida é muito mais surpreendente do que desejamos, e se nos fixarmos a uma única forma de ver, esperaremos que nossas expectativas se cumpram com fidelidade e perdemos a experiência total da vida. Por isso se faz necessário realizar certas práticas que possam desbloquear nossa mente da rigidez de uma experiência filtrada por conceitos.
Se pensarmos quantas atividades de nossa vida são ritualizadas, começaríamos a enxergar numa perspectiva mais ampla: É uma pessoa que não pode sair de casa pela manhã sem tomar o café; ou não pode ir ao vaso sanitário sem uma leitura. E isto sem contar com inúmeros rituais sociais como uma celebração de aniversário ou qualquer outro tipo de festejo em família. Em nosso cotidiano seguimos parametros repetitivos de conduta com os quais nos familiarizamos e não os percebemos como rituais.
Nos templos Zen, a cada dia, desde o soar do sino do alvorada, todas a atividades estão delineadas por um processo ritual. Ao escutar o sino, cada monje se senta sobre seu zabuton, recita a estrofe de levantar-se, guarda seus pertences, veste seu hábito, se dirige ao banheiro e, seguindo as instruções, lava seus dentes, rosto, pescoço e ouvidos, sem desperdício de água. Este procedimento não deve durar mais de 15minutos, que é o tempo entre levantar-se e iniciar a meditação matutina.
Alem do ritual da alvorada, nas regras estão especificadas a maneira de entrar no sodô(sala de meditação), de caminhar, de inclinar-se, de reverenciar, de subir e descer do Tan (plataforma de meditação) onde também comem e dormem, uso dos sanitários e banheiros; rituais da refeição e o deitar-se para dormir, etc. Isto é, todas as atividades de um monje Zen em treinamento estão perfeitamente descritas e além disso, cada uma é precedida por uma breve estrofe de oferecimento para o benefício de todos os seres. Em cada atividade, se dá ênfase a importância de praticar sem buscar proveito pessoal algum. Com isto, a atividade repetida de maneira exata permite ver o fato de que todos os seres estão interconectados e somos interdependentes. O ritual, então, ajuda a despertar para a mesma realidade que Buddha despertou.
Outro aspecto importante é a realização de cerimônias: Há uma repulsa generalizada a esta forma por se desconhecer sua importância no processo de transformação, apesar de que através da história se há demostrado sua importância na evolução do ser humano, como é sinalizado em alguns dos trabalhos de Mircea Eliade[1], Joseph Campbell[2] y Carl G. Jung[3] entre outros. Temos por um lado o desenvolvimento de um espírito comunitário que se cultiva a medida que se vai repetindo o ritual; O grupo se harmoniza e unifica seus movimentos; O comportamento ordinário, a forma de estar de pé, de caminhar ou sentar-se, são transformados em ações de buddhas. Por outro lado, os cantos se recitam de maneira específica, facilitando uma respiração mais ampla com a qual se produz um bem estar, graças a boa oxigenação e a consequente liberação das tensões psicofísicas.
Individualmente, o ritual permite retornar à experiência de vida como evento sagrado, conecta com processos míticos enraizados em estruturas neurológicas que hajam sido reprimidas conscientemente e que são importantes na saúde psicológica e na evolução do ser humano. Conforme sinalizam D’Aquili e Newberg, o mito reconcilia e harmoniza os opostos bem-e-mal, vida-e-morte, proporcionando alívio às preocupações existenciais[4].
Porém, o ritual mais importante e melhor delineado nos templos Zen é o zazen, a prática da meditação. Todos os dias, no mínimo duas vezes ele é praticado. Existem manuais que descrevem com exatidão essa prática, desde a forma de sentar-se, respirar e a atitude mental. Mestre Dōgen, depois de seu regresso da China em 1227, escreveu o primeiro texto referente, Fukanzazengi: “Recomendações Universais para a Prática de Zazen”. É um breve manual que explica em detalhe a forma correta. Neste texto Dōgen disse que zazen: “é a porta da paz e felicidade, a prática-realização de um despertar perfeito”
Dōgen continua: “Zazen é a manifestção da realidade última. As armadilhas das redes do intelecto não podem atrapalhar”. Conforme diz Paula Arai em seu ensaio sobre os rituais das monjas SotoZen[5], “A mente racional pode entender a inter-dependência, porém só este conhecimento é insuficiente para produzir a sensação.... a compreensão intelectual tem demonstrado ser impotente para prover mudança emocional”, Este é o motivo pelo qual, mesmo que creiamos ter comprendido, nosso comportamento não se transforma. Apesar de estarmos concientes, de que se mudamos nossa resposta impulsiva como ciume ou ira, poderiamos levar uma vida mais harmônica, não é nada fácil mudar tal resposta. Para que se possa dar uma verdadeira mudança é necessário atravessar processos físicos nos quais passemos primeiro por uma experiência e em seguida a compreensão seja obtida como pensamento racional ao invés do contrário.
Por este motivo, nos processos de transformação profunda o importante é a repetição. Por meio dela podemos transformar aquilo que é endossado pela repetição inconsciente. A diferença é que nos processos rituais, o indivíduo se submete ao consciente liberando-se da necessidade compulsiva de recompensa. Com base em estudos realizados em praticantes de meditação ou de oração profunda, a neurologia tem demonstrado que quando um indivíduo repete uma atividade de forma contínua, o sistema-límbico(uma de suas funções principais é integrar o meio interno com o externo antes de realizar uma conducta) se sobrecarrega e usa mecanismos de outras estruturas cerebrais para funcionar adequadamente.
Os doutores Newberg y D’Aquili explicam que: “Quando o sistema nervoso simpático, encarregado de preparar o indivíduo para uma ação, recebe demasiada informação, o incremento desta excessiva actividade neural no cérebro põe em alerta o hipocampo, que é responsável por manter o sentido de equilíbrio no cérebro. Para manter o equilíbrio, esta parte do cérebro atua regulando o fluxo de informação entre várias regiões do cérebro. Esta regulação modera o nível de atividade neural, e mantem o cérebro num estado de equilíbrio relativo. Por exemplo, quando o hipocampo sente que a atividade no cérebro alcança níveis excessivamente altos(como no caso da repetição), exerce um efeito inibidor do fluxo neural, de fato, freia a atividade cerebral até que se estabilize.Como resultado, certas estruturas cerebrais são privadas do abastecimento normal de informação sensorial para realizar seu trabalho adequadamente. Quando o fluxo é interrompido, volta a trabalhar com a pouca informação que esteja disponível.”[6]
A área de orientação associativa está encarregada das funções espaciais, da diferenciação do indivíduo como elemento separado do entorno. Isto permite gerenciar o espaço, deslocar-se, alcançar objetos, etc., e esta informação está mudando permanentemente à medida que se vai recebendo mais informação sensorial da mudança do entorno. Por este motivo, nao reagir aos estímulos sensoriais durante a meditação é tão importante. Conforme Dr. James Austin[7], nos processos de meditação profunda, os circuitos frontais e temporais e outras estruturas do sistema límbico, que marcam o tempo linear, bloqueiam a auto-consciência.
Quando estas zonas do cérebro são silenciadas o indivíduo passa da noção de separação e existência espaço-temporal para uma consciência de inter-conectividade com o todo. Esta é uma das causas principais pelas quais no Zen toda atividade deve ser ausente de espírito de proveito pessoal. Enquanto sigamos buscando benefício próprio durante a meditação, continuaremos separando-nos do entorno, pois não permitimos que nossa zona de orientação associativa se desconecte já que seguimos mandando informação, ao sistema límbico, de que estamos realizando um processo de aprendizagem e este envia a informação ao neo-cortex(a capa mais externa do cérebro) para racionalizar a experiência e em seguida armazena-la na memória.
Com base no estudo neuro-fisiológico sobre a meditação, podemos compreender melhor as palavras de Mestre Dōgen quando diz que a prática e o despertar não são separados. Não se trata de alguém praticando zazen mas sim que o zazen, buddha, todas as existências e praticantes são a manifestação presente, que torna reais: a consciência universal, a rede de Brahma, o Sunyata, a Mente Buddha, o Universo, ou qualquer nome, que através da história, tenha sido dado a Realidade Única isenta das armadilhas dos preconceitos do racional.
O mais importante, na perspectiva da prática conforme Chi-fo(citado por Rede Pine em seus comentários sobre o Sutra do Diamante): “Nas ações cotidianas como vestir, comer, lavar-se e sentar-se, Buddha nunca deixava de manifestar a maravilhosa ação da mente verdadeira e neste exemplo estava contida a essência da perfeita-sabedoria(prajna).[8]” Ao atuar como buddhas em cada ação cotidiana, somos buddha.
(Traduzido por Rafael Yôkô)
[1] Eliade, Mircea. Nacimiento y Renacimiento, El significado de la iniciación en la cultura humana. Editorial Kairos. Barcelona, 2001. Trad. Miguel Portillo Díez
[2] Campbell, Joseph. El Héroe de la mil Caras. Fondo de Cultura Económica. México, 1992
[3] Jung, C.G. “Arquetipos e Inconsciente Colectivo”. Ed. Paidós, SAICF; Ed. Paidós Ibérica, S.A. Barcelona. 1991
[4] Newberg, Andrew MD Eugene D’aquili MD, PH.D. Whya God Won’t Go Away. Brain Science & the Biology of belief. Ballantine Books. New York, 2001. p. 62
[5] Arai, Paula K.R. Women and Dōgen: Rituals Actualizing Empowerment and healing. Zen Ritual, Studies of Zen Buddhist theory in practice. Edited by Steven Heine and Dale S. Wright. Oxford University Press. New York, 2008.
[6] Newberg & D’Aquili. Op. Cit. P.87
[7] Austin, James H., MD. Zen and the Brain, toward an understanding of meditation and consciousness. The MIT Press. Cambvridge, 1998. P. 566
segunda-feira, 1 de setembro de 2014
Foto: Araquém Alcântara - Pantanal Mato Grosso |
A prática do Zen não é fácil.
A prática do Zen é Zazen.
Olhar para a parede, olhar para si mesmo.
É uma prática árdua, seca.
Sem músicas, sem induções, sem histórias, sem imagens, sem nada.
Apenas o nada.
Você com você.
A mente com a mente.
E tudo o que você precisa ver sua mente lhe mostrará.
(Monja Coen - Palavras do Darma)
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