Foto: João Antônio - Série Meu Jardim |
Hoje eu quero falar sobre a função de um
Centro Zen. De uma maneira geral, podemos dizer que é apoiar a prática; e é
claro que é verdade. Mas temos um monte de ilusões sobre Centros Zen como
também temos sobre os professores. E uma coisa que tendemos a pensar é que um
Centro Zen deveria ser um lugar muito agradável para mim – em outras palavras,
deve ser não ameaçador (risos). Eu acho que um bom centro deve ser bastante
ameaçador às vezes! Não é função de um centro cuidar do seu conforto ou da sua
vida social. Com isso não quero dizer que não devemos ter eventos sociais – eu
acho que são ótimos -, mas não são a principal função de um centro. A função de
um Centro Zen não é prover as pessoas de uma vida social. Não tem
necessariamente o papel de fazê-las se sentirem bem, e não é para fazê-las se
sentirem especiais.
Essencialmente, um centro é uma ferramenta poderosa para
ajudar-nos a despertar. Como uma sangha praticando em um centro, precisamos,
sim, nos apoiar uns nos outros, mas a natureza desse apoio pode não ser
exatamente o tipo de apoio que é frequentemente visto num escritório. Você
sabe, o namorado de uma moça a deixa – “Oh! coitadinha! Sabe, quando o MEU
namorado me deixou…” (risos) e lá vamos nós! Há uma atitude de “somos todos
vítimas juntos nessa” que NÃO é apoio. Quanto mais praticamos, bem, menos este
tipo de apoio falso é o que se encontra num centro bom.
Deve ser um lugar, então, que nos dá apoio, sim, mas que
também nos desafia, e nesse sentido somos todos professores uns dos outros.
Alguns dos ensinamentos mais poderosos em um Centro Zen nada têm a ver com o
professor; às vezes o ensino vem de outra pessoa, vindo diretamente da
experiência dessa pessoa. Para ser honesta, estar ciente do que a prática real
é e compartilhá-la com os outros – é isso que torna um centro um tipo de lugar
diferente para se estar.
Outra
marca de um bom Centro Zen é que ele nos sacode como um todo; as coisas não
acontecem da maneira como gostaríamos, de acordo com as nossas fantasias.
Infelizmente, Centros Zen tendem a ser um pouco
ego-perpetuantes: nós queremos que eles sejam maiores, melhores e mais
importantes que o centro do outro cara, com certeza! Há correntes de ego muito
sutis que podem circular em um Centro Zen, como em qualquer outra organização,
se não tivermos um cuidado especial.
E algumas reflexões sobre a sangha: um ponto é crucial –
quanto mais tempo as pessoas vêm praticando, menos importante deve ser o papel
externo delas. E por isso eu não quero que as pessoas que vêm praticando por
muito tempo presumam que elas sempre serão monitoras – às vezes, sim, claro,
mas quanto mais avançado o aluno, mais eu quero que a sua influência seja
sentida através da sua prática e através da sua vontade de não parecer
importante e de deixar os alunos mais novos começarem a assumir algumas das
posições externamente visíveis.
A marca de alunos seniores é trabalhar quando ninguém
sabe que eles estão lá. Eu vejo pessoas trabalhando no escritório do Centro em
horários estranhos; às vezes eu estou voltando das compras e eles estão
trabalhando duro. Isso é um sinal de prática madura, fazer o que deve ser feito
mantendo a nossa própria importância fora disso.
Pessoalmente, eu estou tentando ir por esse caminho,
minimizando a enorme importância dada ao papel do professor. E eu quero que
isso se aplique a todos os alunos mais velhos. Então, se você sente que não
está tendo a oportunidade de fazer o que você costuma fazer, ÓTIMO! Então você
tem algo muito bom com o que praticar.
Outra marca de um bom Centro Zen é que ele nos sacode
como um todo; as coisas não acontecem da maneira como gostaríamos, de acordo
com as nossas fantasias. Assim, em nossa chateação, acabamos retornando à base
da prática – que é, tanto quanto eu posso colocar em palavras, assumir mais e
mais a posição de um observador em nossas vidas.
Com isso quero dizer que tudo em nossas vidas vai
continuar a ocorrer – os problemas, as dificuldades emocionais, os dias
agradáveis, os altos e baixos, que são aquilo de que consiste a vida humana -,
mas é a capacidade de não ser pego – de apreciar o que está acontecendo quando
é “bom”, de ter tranquilidade quando é “ruim”, e de observar tudo isso, que é o
trabalho contínuo.
A marca do amadurecimento da prática é simplesmente a
capacidade, mais e mais e mais, de perceber o que está acontecendo e não ser
fisgado por isso. Fácil falar, mas provavelmente de 15 a 20 anos de prática
rigorosa são necessários antes que nós sejamos dessa forma uma boa parte do
tempo.
E isso não é o estágio final. Quando não há nenhum
objeto, nenhuma pessoa, nenhum evento, nenhuma coisa no mundo que me fisga, aos
quais eu esteja preso – quando não há nenhum objeto e nenhum self observando -,
então, há uma virada para o que seria, para dar-lhe um nome, o estado
iluminado.
Nunca conheci ninguém que eu sentisse que tivesse
alcançado isto, mas algumas pessoas têm-se saído bem e, se você tiver a sorte
de encontrar uma pessoa assim, você sentirá a diferença que há em alguém que
não é fisgado pela vida (necessitado, desejando ardentemente algo ou alguém,
insistindo em que a vida seja de certa maneira) – você perceberá que tal pessoa
está em paz e livre.
Estas são as pessoas que são uma influência curativa e
benéfica sobre toda a vida que está perto delas. Elas não precisam fazer nada –
a cura vem da maneira como elas são. Essa transformação é o que queremos da
nossa prática. Temos muita sorte de ter essa oportunidade nesta vida. Vamos
aproveitá-la e fazer o nosso melhor.
(Charlotte Joko Beck)
Nenhum comentário:
Postar um comentário