terça-feira, 8 de outubro de 2019

SHAKYAMUNI




Caso 

Shakyamuni Buda alcançou a Iluminação ao contemplar a estrela da manhã. No mesmo instante, disse:

 – Eu, a Grande Terra e todos os seres, simultaneamente, nos tornamos o Caminho. 

Circunstâncias 

Shakyamuni Buda nasceu na Índia e pertencia à linhagem do Sol. Aos dezenove anos de idade, durante o amanhecer, deixou os muros de seu palácio, raspou a cabeça na montanha Dantaloka e, por seis anos, praticou austeridades. Em seguida, permaneceu sentado, imóvel, ao longo de outros seis anos, no Assento do Diamante, enquanto aranhas teciam teias nas cavidades de seus olhos, gralhas se aninhavam no topo de sua cabeça e plantas se entrelaçavam em suas pernas. Aos trinta anos, no oitavo dia do décimo segundo mês, e no mesmo instante em que a estrela da manhã nascia no céu, Shakyamuni Buda subitamente alcançou a Iluminação. As palavras que citamos na exposição do caso foram seu primeiro rugido de leão. 

A partir daquele momento, sempre esteve acompanhado de seus discípulos e, durante os quarenta e nove anos seguintes, entregou-se de corpo e mente à transmissão do Darma, sem jamais abandonar o manto e a tigela de mendicante. Nesse período, exortou à assembleia em mais de trezentas e sessenta ocasiões e transmitiu o Olho Tesouro do Verdadeiro Darma a Makakashô, o mesmo tesouro que vem sendo transmitido de geração a geração, até chegar aos nossos dias – uma transmissão que, tanto na Índia, quanto na China e no Japão, constitui a essência da prática do verdadeiro Darma.

As práticas que Shakyamuni Buda executou ao longo de sua vida estabelecem as referências nas quais todos os seus seguidores devem se basear. Ainda que Shakyamuni Buda apresentasse as trinta e duas marcas maiores e as oitenta menores, não fazia a menor ostentação delas, e sua aparência era a de um velho monge, que em nada se diferenciava dos demais. Desde o exato momento em que Buda surgiu neste mundo, seus seguidores trataram de se comportar como ele, de empregar os mesmos recursos que ele e de agir, a todo momento – independentemente de estarem caminhando, de pé, sentados ou deitados –, da mesma forma como ele o fez. Assim, durante os três períodos do Darma Verdadeiro, do Darma Falso e do presente Darma Degenerado, a transmissão do Ensinamento, de Buda a Buda e de Ancestrais a Ancestrais, mantém viva a chama do Verdadeiro Darma. Essa mesma circunstância, por outro lado, ilustra o fato de que, embora os métodos de ensino que ele utilizou em seus trezentos e sessenta sermões não fossem sempre os mesmos – pois recorria a relatos e procedimentos estilísticos muito diversos –, todos eles, no entanto, não eram senão a expressão de um único princípio.


 Teishô 


O “eu” mencionado na exposição do caso não se refere especificamente a Shakyamuni Buda, pois tanto ele quanto a Grande Terra e todos os seres são originados a partir desse “eu”. Do mesmo modo que, quando recolhemos uma rede, também erguemos com ela todos os seus buracos, quando Shakyamuni Buda se iluminou, iluminaram-se também a Grande Terra e todos os seres. Mais que isso, não só a Grande Terra e todos os seres realizaram a Iluminação, mas também o fizeram todos os Budas do passado, do presente e do futuro. 

Sendo assim, não acredito que quem se iluminou, naquela ocasião, foi Shakyamuni Buda, porque não é possível conceber sua existência independente da Grande Terra e de todos os seres. Ainda que as montanhas, os rios e as dez mil formas floresçam em todas as direções, não devemos concluir, por isso, que algo exista fora da pupila do olho de Gautama. A pupila do olho de Gautama observa a todos, mas essa pupila também habita em vocês, porque é precisamente o olho de Gautama aquilo que acaba se tornando nosso corpo e mora em nosso interior, como um abismo de insondável profundidade. Portanto, não creiam que, no passado ou no presente, vocês e a resplandecente pupila de Buda têm sido, de algum modo, entidades diferentes. Nós somos a pupila de Gautama e Gautama é nossa autêntica totalidade. 

O que é, então, o que denominamos como “princípio da Iluminação”? Permitam-me, monges, que eu pergunte a vocês: é Gautama que se ilumina através de vocês ou são vocês que se iluminam através de Gautama? Pouco importa o que respondam, pois, em ambos os casos, não se trata da Iluminação de Gautama e, por isso mesmo, não estaríamos falando do princípio da Iluminação. 

Se vocês desejam verdadeiramente compreender o que é a Iluminação, devem se livrar de todas as noções relativas ao “eu” e a “Gautama”. Só então compreenderão a que nos referimos quando falamos do “eu”. Este “eu” é, ao mesmo tempo, a Grande Terra, todos os seres e o “e” que os une. Contudo, este “e” não é o “eu”, o velho companheiro Gautama. Considerem isso com muita atenção, reflitam com cuidado e procurem esclarecer tanto o “eu” quanto o “e”, porque de pouco lhes servirá clarificar o significado do “eu”, se não fizerem o mesmo com o “e”. 

Dessa forma, o “eu” e o “e” não são idênticos. Tampouco são diferentes. Para dizer a verdade, sua pele, carne, ossos e medula são completamente esse “e”. “O Dono da Casa” é esse “eu”, e não tem nada a ver com a pele, carne, ossos e medula, nem com os quatro elementos ou os cinco agregados. Não é por acaso a “Pessoa Imortal da Capela” algo separado de suas peles? Não acreditem, então, que se trate de algo idêntico à Grande Terra e à totalidade dos seres. 

É certo que as estações mudam e que as montanhas, os rios e a Grande Terra se modificam seguindo o ritmo das estações, mas vocês devem compreender que todas essas coisas não são nada além do arquear das sobrancelhas e do piscar de olhos de Gautama, e que tudo se encontra contido nesse corpo, o qual se ergue livre e independente no seio das miríades coisas. Por isso, o mestre Zen Fa-yen disse: “Não é possível afirmar que seja importante nem que não o seja.”, enquanto o mestre Zen Ti-tsang, por sua vez, perguntava: “O que você compreende por ‘as dez mil coisas’”? 

Entreguem-se completamente à prática, desenvolvam sua maestria e compreendam com profundidade a Iluminação de Shakyamuni Buda, a qual está vinculada à sua própria Iluminação. Vocês devem elucidar esse assunto, investigando o caso minuciosamente. Permitam que a resposta brote de seus corações, e não recorram a ensinamentos dados por budas do passado ou do presente. Deixem de lado toda explicação e me mostrem sua compreensão com uma frase livre de equívocos. 

Poema

 Este monge das montanhas gostaria de acrescentar algumas poucas e humildes palavras sobre este caso. Vocês gostariam de ouvi-las?

 Espinhos nascem por toda parte, enquanto a ancestral cerejeira abriga o broto de um galho resplandecente. 

Mestre Keizan Jokin Zenji (Taiso Josai Daishi). Denkoroku – Registros da Transmissão da Luz. (Tradução de Régis Monteiro Silva Luz, monge Koun, feita a partir da versão em inglês, de Francis Dojun Kook.)

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